9.12.10

Os teus

Teu nome, querida,
Foi Gaia quem deu?
E as estrelas, Zeus,
Às tuas pupilas?

Teu cheiro, querida,
Deméter mãe deu-to?
Deu-te ainda o feudo
Da grã-euforia?

Teus fios, querida,
Escovou-os Tétis?
Do que mares rege
És tu também filha?

Tua voz, querida,
Quem te deu? Dioniso?
E esse sorriso
Tão teu, qual menina?

Teus passos, querida,
De Hermes ladino?
Aliados a Hipnos
Meu sonho invadias.

Teu páthos, querida,
Herdaste de Hera?
Mui, assim, esperas
Casarmos um dia.

Teu punho, querida,
É tal qual de Ártemis?
Já o meu, de Ares,
Co’ o teu estaria.

Tua tez, querida,
Cobriu-a Atená?
Ai, revelarás
A mim, bela, ainda?

Teu corpo, querida,
Inveja Afrodite,
Que não me permite
Mui louvar-te a vida.

Louvo-te, querida,
No Olimpo – ou Hades.
Cantavam-te aves,
Pois Hélio queria.

2.12.10

Enamorados

Rótulo: “Jose Cuervo Especial se distingue pela suavidade e cor dourada obtidas pelo repouso em barris de madeira nobre. Ideal para ser consumida pura, com gelo, no preparo de drinks ou numa deliciosa margarita.”
* * *
Juan Pablo se distingue pela cor.
Repousa em barris.
(Com gelo).

Liliana se distingue pela suavidade.
Repousa em madeira nobre.
Especial.

Juan Pablo: ideal no preparo de drinks.
(Margarita dourada).

Liliana: ideal para ser consumida pura.
Em repouso.

Liliana a Juan Pablo:
Deliciosa.

20.11.10

Amigo oculto

Nuvens, abri-vos! Deixai-me ver Deus.
Ele se esconde. Mostrai o deus frouxo.
Servem-lhe fracos, cultuam-no coxos.
Dão-lhe altivez, mas cobriu-se com véus.

Juntas, imensas, assim sois um véu.
Vossa grandeza se faz de cobri-lo?
Não! Revelai-mo. Lançai-o aos ímpios.
Nuvens, abri-vos! Deixai-me ver Deus.

Rio. Como podem confiar nesse deus?
Seguem-no coxos, abraçam-no frouxos.
Dão-lhe altivez, mas cobriu-se com véus.

Dele é tal sangue que mancha os mil véus?
Ferem-no ímpios! E a treva a cobri-lo.
Nuvens, abri-vos! Deixai-me ver Deus.

9.11.10

À espera de Inês

Éramos dois: eu e o arrebol sombrio,
Ruivo titã, celestial rubor.
Já tardava a espera – e nunca vinha
A ele – a noite; a mim – Inês.
Mas se gigant'era, também seu tédio;
Então oculto, doravante eu só.
Lá fora, a guarda de loriga brônzea,
De manopla d’ouro, de aceso archote.
Assim se ouvia o crepitar de chamas.

Batiam-se, ai! – aflição brunal –
As folhas frementes, as árv’res todas,
Assim que Bóreas, visitante vil,
Tomava, sempre tempestuoso, o reino.
“Arauto frio! Mais que prestes vieste,
E me feriste com lançó nefasto.
Cala! Não sopres em meu ouvido mais.
Se range a porta – é Inês quem chega.”

A noite, dorida, em cinzento luto,
Precipitou todo seu pranto em terra...
Demônios de pedra à murada: gárgulas;
Gargarejam, gospem, gargalham, gozam!
Irrisão – látego voraz, mortal.
Aos olhos o sal perpetuava ardor,
Manchava o rosto e temperava a boca.

7.11.10

Diana

Eu sempre amei Diana. O meu corpo crepitava. Passava Apolo no formoso carro, mas o teimoso Hélio ficava. O meu corpo já era cinzas, tal qual vapor que as indústrias lançavam. As vagas sempre amaram o céu. Cada gota a cada dia se libertava do mar. O oceano borbulhava. Eu sempre amei Diana. Era inveja o cinza entre nós dois, vapor que sempre quis perfurar. Hélio teimava em cobri-lo de ouro, sangue e bronze. A minha vista crepitava. Passou Apolo perseguido por vultos frementes e o carro parado lá fora. As vagas tentam abraçar o céu, mas Apolo passa entre os dois. O vapor das indústrias faz tudo fremir. Hélio, tal qual cinzas. Meu sangue borbulhava. Eu sempre amei Diana.

24.10.10

Face-de-pau

Enquanto dormia, um anjo insensato,
Desses que vivem de sombra e água fresca,
Telefonou-me.

Como julguei ser o despertador,
Desliguei.

Nunca mais o vi.
Nunca mais nos falamos.

2.10.10

Traumatismo Temporal

Tempo-aurora – crepúsculo.
Tempo-claro – tempestade.
Tempo-hora.
Tempo-história.
Antes tempo-titã,
Filho rebelde de pai castrado.

São todos os tempos o tempo,
Todos um tempo.
Nunca passado.
Nunca vindouro.
Sempre presente – estático.

Passa o homem, nunca o tempo;
Findam todos, o tempo não.

Tempo-imigo, destruidor de castelos,
Devastador de campos.
Quem há de se aliar?
Tudo cai perante o tempo,
Todos dobram.
Tempo que tudo destrói.

18.9.10

Xeque-mate

Vede o gentil homem: rosto oculto, corpo nu.
Ele, imponente no palco, empunha um machado.
Ergue-o: brilha no ar – Vulto gris, desce voraz.
Vede o decepado: rosto rubro, sangue azul.

23.7.10

Poema-suicídio

A ira os olhos ardeu-me,
minh'alma ebuliu:
amargo líquido a vida é,
tomado em dose de cachaça.

Sombra tornar-me-ei,
às hienas cirandeiras deixada,
que nenhuma luz extinguirá
ou breu algum oculte.

Anêmico negrume deixo
em frio ferro fúnebre,
desonradas gotas.

Há de cobrir a carne os vermes,
os ossos a poeira
e todo pó memória ser.

20.7.10

Caça urbana, parte 1

Em uma parte inóspita da cidade, uma rua longa e residencial estava vazia. Uma rua extremamente familiar para mim. Eu estava sentado em meu novo Paladin preto. Na realidade, não era meu. Mas foi o que admiti após fazer ligação direta nele, no bairro nobre.
Nas minhas mãos, uma revista Mad. No banco do carona, um grande hambúrguer me esperava ao lado das fritas que eu molhava naquele pote de molho barbecue. Eu estava entretido. Mas não o suficiente para esquecer-me do meu objetivo principal.
Alguns carros passavam ora ou outra, mas nunca paravam em frente ao número 115. Foi depois de um bom tempo que um carro prata parou, e três sujeitos saltaram direto pra lá. Eles não eram muito discretos, mas isso não era surpreendente. Um deles atirou na maçaneta, o silenciador abafou o disparo. Logo estavam dentro do meu tão amado lar.
Abri o porta-luvas e tirei, de lá, uma Beretta. Respirei fundo e deixei meu jantar – melhor dizendo, lanche da madrugada – no Paladin para acertar as contas com os invasores. Deixei os tênis na porta de casa e fui andando até que a barulheira deles os denunciou. O andar de cima, talvez meu quarto.
Eles jamais imaginariam que alguém pudesse subir tão rápido e, ao mesmo tempo, tão quieto. Não importa quem eles eram, eram apenas amadores. O que restava saber era: pra quem trabalhavam? Há algumas horas atrás, tentaram me matar no Scum Ass e eu sabia que entrar em casa pra dormir não era algo esperto pra fazer na mesma noite.
De qualquer maneira, esvaziei a cabeça para poder agir tranqüilamente. Parei de frente ao meu quarto, estava sendo revirado e arrebentado por aqueles três cuzões. Atirei na cabeça de um e, depois, na nuca do outro. O único que estava virado para mim, me acertou na clavícula enquanto eu saltava pro lado. Era o mesmo bastardo que estragou minha maçaneta.
Encostado na parede, eu resolvi largar a Beretta e saltar para o andar debaixo, poupando-me de passar na mira do cara novamente. Meus joelhos doeram na queda, mas não se comparava à bala na minha carne. Eu abri o armário abaixo da escada e entrei nele, furtivo outra vez. Peguei minha Hardballer carregada e esperei que ele descesse, no escuro.
O primeiro pé que ele pôs num degrau que eu pude ver, foi o pé que arrebentei com um tiro certeiro. Ele urrou e rolou pela minha escada, sujando tudo de sangue. Pelo menos soltou a pistola e não tentou correr com o único pé que lhe sobrou.
Quando ele menos esperava, já estava amarrado e sentado no banheiro do andar de cima. Eu acendi um Pall Mall e fiz questão de mostrar como estava tranqüilo e contente com aquela visita. Também o convenci de que, apesar de ter perdido um pé, haviam muitas outras coisas em seu corpo que eu poderia arrancar para que ele sofresse até que me dissesse um nome.
Ele disse. Eu acabei com o sofrimento.
Depois de escolher algumas ferramentas e fazer uma limpeza rápida, porém minuciosa – incluindo banho, remoção de bala do ombro e troca de roupas – fiz uma ligação importante para o Açougueiro. Eu gosto desse Açougueiro. Quando ele tem trabalho a fazer, simplesmente faz e é pago. Não enrola, não recusa. Me poupa inúmeros esforços.
De volta ao Paladin, minha nova carruagem elétrica com combustível pela metade, fí-la sair do chão para seguir até o endereço vomitado pelo imbecil que entrou na minha casa sem ser chamado. Eu já imaginava que o homem responsável por mandar aqueles caras me matarem era grande. Mas eu não fazia idéia do quão grande.

Os minutos se passaram, os prédios também. Agora a paisagem era diferente. Estrada, poucos carros e muito mato. O motor daquele carro era tão agradável que eu poderia dormir naquele estofado gentil e convidativo, visto que eu não dormia há quase trinta horas. Mas tudo bem. Já estive em situações piores. Se eu tivesse que morrer agora, seria num puta tiroteio, e não dormindo no volante.
Foi de repente que meu ombro latejou com força. Uma dor lancinante. Com certeza me deixaria acordado até lá. A polícia passou por mim e uma pedra de gelo surgiu na boca do meu estômago, mas não permaneceram por muito tempo no meu campo de visão. Eles tinham algo mais interessante para fazer do que parar um cara armado, sonolento e no limite de velocidade.
Não que eu estivesse segurando uma escopeta e o volante ao mesmo tempo, mas se me parassem por um motivo qualquer além de pegar uma nota de 50 e ir embora antes de mais nada, eu estava tão ferrado quanto aqueles três bastardos que morreram hoje. Ou mais, quem sabe?
Deixando as situações hipotéticas e pessimistas de lado, agora era preciso prestar atenção às placas. Fazendas, pousadas. Eu nunca liguei muito pra essa estrada. No dia em que eu pudesse comprar uma fazenda daquelas, eu já não estaria mais nessa vida. Mas eu não gosto de fazendas, mesmo.
Eu passei pela Skygate Farm e parei no acostamento após uns cem metros, que cobri devolta a pé. Embora eu quisesse muito destruir aquela porteira com o Paladin, eu não podia. Não me privei disto só porque o carro era ótimo, mas também precisava agir quieto.
A fazenda devia ter guardas por dentro. Mas não providenciava, nem de perto, a segurança que o Senador Wilkins precisava agora. Talvez sua casa fosse muito boa nesse quesito. Mas poucos suspeitavam que aquela fazenda pertencia a um certo amigo seu. E quem poderia culpá-lo? Ele não teve tempo o suficiente para ficar sabendo que, além de matar seus enviados, eu iria matá-lo também. Na tranqüilidade de suas pequenas férias.
Com meu equipamento de trabalho, eu cheguei ao portão. Pus minhas luvas de couro, escalei, senti dor no ombro e saltei. Agora não havia nada além de uma estrada longa, repleta de árvores pelas bordas, como um grande corredor natural. Marcas velhas de pneu na terra fofa, ao longo do caminho, me mostravam que a patrulha dos seguranças não incluía a entrada da fazenda, há um bom tempo.
Estava ansioso, por isso corri. Mas ainda assim, tentava não fazer barulho. Isso era um tanto difícil, com os “penduricalhos” que eu levava, por baixo do sobretudo marrom e fechado, contudo, foi só no final da estrada que eu achei um guarda virado diretamente pra mim, escorado numa laranjeira. Meu coração gelou, mas por sorte ou destino, ele estava adormecido. Prolonguei seu sono com um corte longo e profundo na garganta.
Ele caiu no chão, delicado como um mamute numa vidraçaria. Isso alertou o que eu contei como cinco guardas. Eu me sentei atrás da árvore, largando a faca e abrindo o sobretudo num puxão que arrebentou-lhe os botões todos. Balas ricocheteavam, tiravam nacos da árvore... e eu, com a Hardballer numa mão e a Beretta na outra, me levantei e “abracei” a árvore para atirar neles. Seis desparos – três de cada arma – e, novamente, agachei-me atrás da árvore.
Disparar daquele jeito era horrível. Mas quando dois deles recarregaram, pus a cabeça para fora e os arrebentei somente com a Hardballer. Amadores com uma cobertura pobre. Fui rápido e desapercebido o suficiente para não ter a cabeça estourada por aqueles caipiras de bosta.
A situação estava errada e ferrada o suficiente para eu ter que usar algo que eu pretendia não usar tão cedo. Puxei uma granada, tirei o pino com os dentes e atirei por cima da cobertura insignificante que eles haviam arranjado. Eles foram pelos ares e, aqueles que não realmente morreram na explosão, foram finalizados pela minha pistola.
A menos que o Senador fosse surdo como um cão velho, ele já teria sido alertado desde o início. Bom, surdo ele não era e, ainda que fosse, não deveria estar sozinho com guardas na Skygate.
Corri, cruzando o campo ensandecidamente até a grande casa de dois andares, sem tomar cuidado algum. A dor no meu ombro voltou a ficar forte, mas logo fui distraído por um disparo alto quando chegava à porta. Um punhado de grama e terra se desprendeu do chão, saltando e me dando um susto desgraçado. Parecia um tiro de escopeta vindo de cima.
Sem perder tempo, meti bala na porta, e em seguida, meti o pé também. Ela foi de encontro ao chão num estrondo, e eu tratei de olhar ao redor, me familiarizando com o local. O ambiente, como todos sabem, conta muito.
Logo eu identifiquei de onde vinha o estardalhaço do andar de cima. Joguei-me numa parede, protegido e de costas para o local, de onde uma escada descia. Chequei a munição e rangi os dentes. O ombro estava latejando agora, ainda mais do que quando saltei o portão. Mas por que agora?
Não era hora pra erros! Ele tinha, no mínimo, uma escopeta. E estaria descendo em pouco tempo. Ele me queria morto, mas tinha que ter um motivo e eu queria saber qual. Talvez houvesse ainda mais gente por trás disso, e este pensamento me preocupava.
De repente, sons na escada. Era a hora de botar a cabeça pra fora, mirar a mão do filho da puta e arrebentá-la com um tiro certeiro. Mas ao tirar a cabeça, meus olhos sonolentos viram apenas um sapato rolando escada abaixo. Se eu não fosse rápido em me jogar para trás da parede outra vez, minha cabeça estaria espalhada em migalhas pelo chão, como sucrilhos em meio a uma papada de sangue.
Farelos da parede agora voavam pelo ar, enquanto pedaços dela se esparramavam pelo chão. Eu tinha que pensar numa maneira menos arriscada de desarmá-lo pois, mesmo querendo transformá-lo numa peneira, queria mais ainda descobrir o motivo daquela caçada.
Me acalmei. Tentei fazer a dor diminuir. Pensei um pouco. “O Senador está temendo por sua vida, agora. Ele não é um bom atirador, fique frio”. Joguei uma almofada do sofá ao meu lado, e ele a acertou com uma perícia de embasbacar. Sorte? Exibicionismo? Ou eu havia me enganado em relação à mira dele? Não interessa. Foi uma distração, atirei na mão dele. Não só a escopeta semi-automática caiu no chão, como também alguns de seus dedos.
Ele berrava e, no andar de cima, alguém também berrou quando notou isso. Sua esposa, ou talvez uma prostituta, mas não me interessava. Subi metade dos degraus, aonde ele estava, e o puxei pelo roupão de dormir, jogando-o para baixo. Apontando-lhe a pistola, pisei em seu peito.
- Por que quer me ver morto, velho? Por que pagou tanto por isso?
Não entendi nada do que ele tentou dizer, por isso tirei o pé de seu peito, aliviando a dor. Mas não pude fazer nada por sua mão arrebentada. Ele tomou ar, e tudo o que disse foi:
- Vá se foder...
Antes que pudesse dizer mais algum impropério, peguei a pistola e atirei no joelho dele. Mais gritos de uma dor que eu nem imagino. Sei que é um dos piores lugares pra se levar um tiro.
- Não tenho paciência pra brincadeira, meu velho. Não durmo há mais de um dia. Só não estou dormindo porque não quero morrer tão cedo.
- Você devia saber que vai morrer cedo, trabalhando assim – ele disse com dificuldade, após soluçar e chorar de dor. – Você matou o meu irmão, seu desgraçado.
- Não me lembro de ter feito isso.
- Jeremy Wilkins!
Eu me recordei, então. Um bêbado num bar, um alvo fácil demais. Como eu iria imaginar que ele era justamente DA FAMÍLIA Wilkins? Quem me manda matar alguém assim sem me avisar dos riscos, está pedindo pra levar chumbo quente no rabo.
- É, Senador! Parece que eu me encrenquei. Alguém me fodeu solenemente e você cuidou da Arte Final.
- Você sabe... você sabe que, se me matar... vai ficar ainda pior!
Ele tinha razão. Mas eu nunca gostei dele. Após enchê-lo de tiros, saí ainda menos precavido daquela casa, voltando por toda a estrada até o portão da fazenda. A dor voltou como uma martelada repentina num momento quieto e tranqüilo. O sono também foi uma tortura no caminho devolta pra casa. Mas agora era hora de descansar e de me acostumar com isso. Estava começando uma temporada terrível e, se eu tivesse que ir para a cadeia, seria depois de matar o imbecil que me armou essa.

19.7.10

"Favor trazer esta receita na próxima consulta"

O que é que, nas capacidades humanas, excede a força das idéias? Uma idéia pode mudar o mundo, ou somente uma vida. Porém, se muda uma vida, não muda ela, também, um mundo?

12.7.10

Resgate de Teseu

(Hades. Teseu e Pirítoo dormem em cadeiras. Serpentes se enroscam em seus membros, deixando-os fixos nos assentos. Pirítoo acorda como que embriagado.)

PIRÍTOO  Ah, fartei-me! Tão boa carne, tão bom vinho. O sono é sempre bem-vindo. Espera. Ouço silvos. (assustado) Oh, cobras! Cobras! (se sacode na cadeira) Teseu, Teseu! Acorda.

TESEU  (sonâmbulo) Quem ousa perturbar o sono divino? Não vês que ainda é cedo?

PIRÍTOO  (esbraveja) Acorda, desditoso! Abre teus olhos agora. Vê: estamos presos nas cadeiras por cobras. Fomos enganados!

TESEU  (ainda sonâmbulo) Que dizes? São sonhos. Delírios. Tomaste vinho assaz.

PIRÍTOO  Não queres ver? Ao menos ouve.

TESEU  Silvos. Que há? (silêncio seguido de espanto) Silvos?! (desperta) Cobras! Cobras! Acode, acode!

PIRÍTOO  Somos dois.

TESEU  Que fazemos?

PIRÍTOO  Espera. Ouço alguém.

TESEU  Ouço contigo.

(Som de batalha. Coisas se quebram. Um homem urra com valentia, outros berram de dor. Choro de cão. Baque surdo no chão.)

HÉRACLES  (entra assoviando com uma coleira na mão) Único cão que aqui encontro a esta mordaça não serve. Oxalá Zeus fulmine a casa do que me enviou para cá.

TESEU  Héracles, amigo, és tu? Felizes são os deuses olímpicos.

HÉRACLES  Reconheço a voz de quem me fala. (vira-se) Sim, é Teseu! Que fazes no inferno? Não soube lá em cima de sua morte. Foste traído ou morreste lutando?

TESEU  Traído fui, mas não morri.

PIRÍTOO  Viemos levar Perséfone para ser minha esposa.

TESEU E nos prenderam nestas cadeiras.

PIRÍTOO Ao menos, bebemos e comemos até fartar.

TESEU  Oportuna é tua vinda, Héracles. Arranca já estas serpentes que nos prendem.

HÉRACLES  (aproxima-se) Oh, cobras! Afasta, afasta, afasta!

TESEU  Que há? Medo de cobras?

PIRÍTOO  Um frouxo!

HÉRACLES  Cala! Cortarei uma a uma com minha espada. (puxa uma enorme espada, prepara-se para golpear)

TESEU  (berra) Não! (muda de tom) Assim não. Decepar-me-á. Apanha com tuas fortes mãos.

HÉRACLES  Com as mãos? Não. Com as mãos não.

TESEU  Por que não?

HÉRACLES  E se me picam?

PIRÍTOO  No Hades já estás. Menos trabalho a Hermes e Caronte.

TESEU  Pega pela cabeça. Um pouco abaixo da cabeça e estrangula. Assim não te mordem.

HÉRACLES  (aproxima-se, toca uma serpente e se afasta dois passos, limpando a mão no corpo.)

TESEU  Foste mordido?

HÉRACLES  Não, não.

PIRÍTOO  Que há, então, contigo?

HÉRACLES  Oh, como são asquerosas!

PIRÍTOO  Ai de mim! Fadado a morar no Hades. Sequer morto estou. Antes os deuses me enviassem dois afeminados e as cobras teriam desaparecido.

HÉRACLES  Cala outra vez. Pensarei em algo (senta no chão)

(Longo silêncio. Pirítoo tamborila no braço da cadeira, Teseu acompanha o ritmo batendo os pés no chão.)


HÉRACLES  (ergue-se berrando num salto repentino) Eureka!

(Pirítoo e Teseu quase saltam da cadeira com o susto. As cobras caem mortas.)

PIRÍTOO  Queres nos matar de susto? Dize logo o que pensaste.

TESEU  Pirítoo, vê: as cobras morreram com o susto.

HÉRACLES  Podemos ir, agora. Tenho de passear com o cão. (sai)

(Teseu e Pirítoo tentam se levantar, mas ainda permanecem com suas bundas grudadas no assento)

TESEU  (berra) Héracles! Ditoso herói, filho do excelso Zeus. Acode.

HÉRACLES  (volta) Que há? Ainda querem descansar do banquete?

PIRÍTOO  Não conseguimos sair. Pareço pesar dez vezes mais o que peso.

HÉRACLES  Culpa da comida que comeram e do vinho que beberam.

PIRÍTOO  Não fales asneira! Arranca-nos já daqui.

HÉRACLES  Talvez um pouco de água quente ajude. Esperem. Vou procurar.

TESEU  Água quente, aqui, não há. Pensa em outra solução.

PIRÍTOO  Silêncio. Ouço vozes.

HÉRACLES e TESEU  Ouvimos contigo.

PIRÍTOO  Ouço passos.

HÉRACLES e TESEU  Ouvimos contigo.

PIRÍTOO  Parece ser uma legião.

HÉRACLES  Adeus! Vou-me em boa hora.

TESEU  Quê? Espera! Leva-nos também.

(Héracles aproxima-se de Pirítoo, abraça seu torço e faz extrema força. Pirítoo berra de dor, Héracles o solta e dá um murro em seu rosto, fazendo o herói desmaiar)

TESEU  Enlouqueceste?! Qual a necessidade do golpe?

HÉRACLES  Os gritos irão denunciar-nos.

TESEU  Vai, apressa-te. Tira-me daqui. Ouço-os mais próximos.

HÉRACLES  (mostra o punho cerrado) Sabes já, se gritar.

(Em um só puxão Héracles arranca Teseu da cadeira, este grunhe e chora. Está saltitando de dor)


TESEU  (coça a bunda) Eu sangro?

HÉRACLES  Sangra.

TESEU  (olha para a cadeira) Arrancaste um pedaço de mim!

HÉRACLES  Ordens tuas.

TESEU  Ai! E como me sento agora?

HÉRACLES  Por tanto tempo sentado, ainda pensas em sentar?

TESEU  E Pirítoo?

HÉRACLES  Deixemo-lo. Se queria ele estar com Perséfone, aqui está. Vamos. Apressa. Tenho que buscar o cão.

TESEU  Vieste com um cão?

HÉRACLES  Não. Levo Cérbero, cão infernal.

TESEU  Por que o levas? Não temes a vingança de Hades?

HÉRACLES  Hades? Pff! Quem é Hades? Já o viste? Nunca sequer o cão levou para fazer suas necessidades. Será mais feliz vindo comigo.

TESEU  Vamos. Apressa.

(Saem Héracles e Teseu. O último caminha em passos mancos)

11.5.10

O amante arrependido

Ó, mui bela, tu que me enamoras!
Para te atentares não corroê-lo,
Dar-to-ia, se por outra não
Se rasgassem de meu peito as fibras.
Rouba ela, pois, meu ar, e tu
Renovado fôlego me dás.

27.4.10

Antíteses

— Minha cidade é cinza e tem cheiro de pedra molhada. Comidas e bebidas possuem sabor de tristeza. Só eu vivo aqui e nunca durmo.
— Minha cidade é verde, rosa, amarela, azul e todas as cores que puder sonhar. Comidas e bebidas têm sabor de aurora. Muita gente lá vive. O sol se ergue cedo e se põe tarde. Nós adormecemos no crepúsculo.
— Vou lá morar.
— Não permito.
— Por quê?
— O que será da sua cidade sem você?
— Morrerá.
— Se a sua cidade morre, como espera que a minha viva?

22.4.10

O sol no asfalto

A vida é sardônica e vai fazer de piada as suas desgraças. Já estou semi-acostumado. A primavera chegou e as flores nos campos estão brotando nas mais diversas cores. O sol chega a me cegar, me esquenta e se recusa a sumir do céu antes das nove. Meus olhos, porém, não se interessam. O cansaço se apodera de mim. É como um tumor pesado demais para ser carregado. A natureza me observa com escárnio, não é a primeira vez que ela me esnoba com gracejos num momento inoportuno.

Hoje saltei desiludido do coletivo. Não procurei os cigarros, não me enganei com o sol. Na sombra, o frio é tão perturbador quanto o inverno.

Há um longo caminho a ser percorrido. Campos verdejantes – e agora salpicados de rosa, branco, amarelo e roxo – são cortados por uma linha cinzenta de asfalto e concreto. Há duas mãos nessa pista e, também, um canto para os pedestres e ciclistas, mas não há uma divisão significante. A calçada não é mais alta, não existe meio-fio. Passam por mim carros, caminhões e, eventualmente, uma bicicleta ou duas.

Na minha cabeça há sempre um demônio a sussurrar para cada automóvel que passa. Ele quer ver um caminhão desgovernado. Ele teria um prazer sexual em me assistir ser atingido por algum veículo num impacto de 4 toneladas. Às vezes me pergunto se este é o morcego faminto da minha criatividade, que me espreita em busca de uma ferida para saciar sua fome parasita.

Hoje nem o cachorro me arrancou reação alguma. Ele surgiu descoleirado, desimpedido. E latiu, e rosnou, e flexionou as pernas. Calou-se, porém, ante a rejeição. O resto do meu passeio tortuoso foi só automóveis, sono e ar puro. E o sol me incomodando ao iluminar o asfalto. Imaginei, naquela hora, que aquilo era uma analogia perfeita à minha vida. As pessoas passam por ela numa rapidez vertiginosa e não tiro nada disso. Algumas sorriem, outras franzem o cenho; algumas acompanhadas, outras solitárias. Todas vão embora.

Contudo, estava errado. O simbolismo perfeito me esperava no fim da estrada. Um cavalo de cauda erguida, despejando toletes de bosta. Aquilo, sim, é a vida, como ela é. Uma merda, asquerosa. E sai aos poucos de dentro de você.

Agora o sol não consegue me alcançar com suas promessas falsas. Ele banha tudo ao meu redor e me chama para viver. Só que eu estou pouco me fodendo.

11.4.10

Bife de Esther – Vila Anope, 2ª Temporada, Episódio 13 – Anjos & Demônios

– Oh, meu Deus... Que pecado cometi para receber tal fúria? Por que tudo isso está acontecendo comigo? Dessa forma? Por que? Primeiro foi Thácito... Meu pai Lázaro... A fazenda Schindehette... E agora minha liberdade? Deus fiel, meu Deus justo, por que permitiu que eu fosse acometida por tamanha desgraça? Isso não pode ser um tipo de provação... Minha mente humana não é capaz de entender que uma injustiça tão grande possa ocorrer com pessoas boas. O Senhor me tomou tudo, tudo o que eu tinha o Senhor me tirou... O Senhor me desamparaste... Fui lançada à própria sorte... E que sorte... Sou uma desgraçada, condenada a uma sentença que desconheço a causa verdadeira. O que há de pior para acontecer? Cheguei ao fundo do poço. Não tenho como me reerguer e nem onde e quem me apoiar. Eu não tenho ninguém... Só me resta apodrecer aqui... – Esther respira fundo e fecha os olhos, forçando as lágrimas deslizarem de seus olhos. Ela tenta controlar suas emoções – Será que tudo em que acreditei é mentira? Este Deus que minha mãe servia, que eu servi por quase toda a minha vida é mesmo real? Será que tudo que acontece não é obra do acaso? O que é esta fé? Um Deus ausente em tempo de aflição. Um Deus inexistente. Eu me amaldiçoo completamente... Por ter acreditado em todas essas crenças vãs... Por ter inventado algo em que acreditar... Não há esperança para o mundo dos homens...

7.4.10

Dois ratos

— Alô?
— Oi! Já cheguei.
— Chegou aonde?
— Estou no aeroporto. Não vem buscar-me?
— Com quem você quer falar?
— Não é o Breno?
— Sou eu. E você é...?
— Lívia. Não lembra? Eu disse que chegaria às oito. Onde você está?
— Eu? Bem... Já estou chegando.
— Estava dormindo. Não estava?
— Estava.
— Muito bom! Agora, estou sozinha no meio dum monte de gente estranha. Queria ver se me sequestrassem.
— Não vão sequestrar você. Fique aí, não fale com qualquer um e logo estarei ao seu lado. Certo? Ligo assim que chegar.
— Quanto tempo?
— Cerca de vinte minutos. Não sei. Dependo de ônibus e os motoristas não parecem gostar muito de mim.
— Ai! Vou ter um troço.
— Já vou, porra!

Eu ainda trajava as roupas do dia anterior. Sequer me dei ao trabalho de arrancar os sapatos. No carpete, havia uma garrafa de uísque pela metade, de pé, pois, antes de me atirar à cama, deixei-a ali com todo zelo. A embriaguez traz bons sonhos.

Fiz o que tive de fazer: fiquei de pé, apanhei a bebida, dei um longo trago e andei cambaleante até o banheiro, tentando lembrar o dia anterior. Finda a escovação, enchi a boca de uísque, bochechei e engoli. Logo, estava inerte, perplexo com o espelho, que me sorria. Algumas vezes, não me reconheço ali. Estático, observo bem, e o que vejo não é meu reflexo, não sou eu: é um estranho me encarando pela janela de algum banheiro que se parece com o meu. Gingo, ele faz o mesmo. Depois, sorrimos um para o outro. Sou destro, ele é canhoto. Quando falo, seus lábios se mexem, mas é a minha voz que ouço.

Acertei um jato esbranquiçado de urina dentro da privada, enquanto a debochada figura me observava. A descarga ruiu em seguida, o zíper arranhou a calça, um copo se quebrou na cozinha, uma cadeira foi ao chão e a porta bateu atrás de mim, ao sair. Às cinco horas, retornei com Lívia e suas malas.

— Fique à vontade. Deixe as coisas por aí.

Ela observava o apartamento não sei se surpresa ou espantada. Fui para a cozinha colher os vidros. Ouvi-a comparar o lugar a um chiqueiro.

— Você pode ficar com a minha cama. Costumo dormir em qualquer canto. Não mexa nas minhas bebidas nem comida, a não ser que eu permita.

Apanhei a cafeteira do armário, abri um saco de café, despejei o pó no filtro, enchi o recipiente com água e esperei ferver. Com passadas leves, fui até a sala. Prostrado à janela, observava a rua, enquanto a visita se organizava. De repente, percebi que dava meu último gole de uísque e o sol se punha. Foi quando a misantropia me abraçou.

Lívia surgiu à minha retaguarda.

— Não é uma boa vista.
— Ah! É, sim.
— Um monte de prédios, engarrafamento e gente estúpida passando. Não dá para ver o sol se pôr nem nascer... ou o mar.
— Aquela porta — indiquei — também serve de saída.
— Por que não para de beber?
— Já parei.
— Claro! Findou a garrafa.
— Posso comprar outra.
— O que você faz da vida?
— Bebo-a.

O café me veio à memória, quando uma senhora escapava dum atropelamento. O aroma entupiu minhas narinas, durante a imaginação duma poça de sangue negro forrando a pista. O motorista, desesperado, sairia do veículo e encharcaria seus sapatos de DNA desconhecido. No entanto ela, diferente de mim, possuía família, e cada filho e neto seriam contatados assim que a sirene cessasse, respeitando o aviso de “Silêncio. Hospital”.

Na cozinha, tomei uma dose quente e amarga de lucidez. As paredes haviam se estreitado. Sentado à mesa, introduzi mais breu ao âmago. Na sala, a hóspede, pela porta, me encarava minuciosamente. Aos poucos ia desaparecendo da minha vista e só a vi outra vez quando acordei pela segunda vez, nesse dia.

Lá estava ela, sentada na esteira, debaixo da janela, impedindo meu acesso à aquarela panorâmica da cidade, com um dos meus cadernos no colo, lendo o que quer que fosse. Do lado de fora, a paisagem brilhava em diversas cores e o silêncio era regente.

— À noite, a vista é melhor. Não acha?
— Não vi.
— Que horas são?
— Quase dez — respondeu sem tirar os olhos das páginas.

Agachei-me ao seu lado com o único propósito de saber o que lia.

— Minhas memórias...
— Quem é ela?
— A mulher dos meus sonhos. Passado passado. Eu havia me embriagado, chegado a casa em delírios. Caí na cama vestido como estava. Deixei, por falta de juízo, a porta do apartamento aberta. Foi assim que ela entrou. Ouvi passos como se alguém marchasse dentro da minha cabeça. O medo abriu meus olhos. Interroguei a intrusa, todavia nem eu me ouvia. Insisti. Nada. Suas mãos, em meu rosto, me padeciam. Sorriu. Irrisão. “Vou dormi com você, hoje”, disse, “descanse em paz”. As pálpebras cederam ao encanto, o sono me embalava na melodia da sua voz. Não a vi, posteriormente; apenas em sonhos.
— Bela história. — Levantou, despindo as pernas das minhas anotações. As folhas deslizavam pela carne farta até tocarem o piso. Desdenhou minha presença, debruçada sobre o parapeito, e pela primeira vez quis saber quais eram seus pensamentos.

Procurei um espaço à janela, e como se meu corpo fosse frio demais, esfregou as mãos contra os braços, desaparecendo corredor adentro, em direção ao quarto. Tremi. Fora surpreendido pela brisa noturna deste bairro adormecido.

Passei horas atirado ao chão, em estado de semiconsciência, ouvindo uma sinfonia desconhecida. Deitada em mim estava a embriaguez, aprisionada em vidro quadrangular, rotulado como possuidor de quarenta por cento de álcool. Amava-a como Moraes amou; encarava e dizia: “Que seja eterna enquanto dure”. Beijava-a como se fosse a última. Contudo, naquele instante, só queria dela o sono.

Levantei em pernas sonâmbulas, as quais arrastava pelo corredor, ao quarto. A mão tentava se equilibrar na maçaneta em tato tão débil que, escorregando para a direita, fez a porta abrir. A luz vindoura afastou a escuridão alguns passos para trás. Dormia bela e eu lhe assistia. Cerquei-a, trôpego, indo de encontro ao leito, espantando seus sonhos valorosos.

— Perdoe. Não quis arruinar seu refúgio.
Coçou um dos olhos, bocejou e respondeu em voz falha:
— Venha. Deite também.

Suas pálpebras semicerradas velavam duas castanhas. A cabeça pendia um pouco para a esquerda, fazendo com que o tufão que emaranhara seus fios revelasse a alvura do pescoço. Na boca de róseos lábios entreabertos, via-se parte da sua arcada de mármore. O desejo rompante foi de tocar sua face cuja carícia, aos meus olhos, seria veludo.

Estendi meu braço, fui puxado. Na contra-força, fi-la se erguer. Presa aos meus passos, guiei-a para fora do apartamento, cruzando muitos outros, saltando degraus acima até o terraço. A porta cedeu fácil ao chute. A noite, abraçávamo-la.

Havia música oriunda de baixo. As notas de um piano solitário saltavam, inundavam os becos, seguiam pelas ruas até invadirem minha cabeça. Fechei os olhos acreditando que ouviria melhor e, quando os abri, a noite também as quis escutar. Andava para lá e para cá com pernas trêmulas, até que ousei dançar. Os tremores se tornaram compasso. Agarrei Lívia pela cintura e notei o ar encher-lhe o busto. Tímida, dançou também, mas a desarmonia de seu quadril a afastou de mim.

Provavelmente, um sorriso torto me surgiu aos lábios, quando parei. Nessa mesma hora, uma risada  me escapou da boca em tropeços. Engasguei.

Virado, querendo esquecer a visão da má dançarina, entrevi luzes de alguns barracos do morro de mata densa.

— Veja só — apontei. — Parece até que algumas estrelas caíram do céu, ou fugiram, e foram esconder-se naquelas árvores.

Com os braços para cima, girei fitando o brilho do véu negro que se estendia infinito sobre nós. Temeroso de ir de encontro ao asfalto, sentei no concreto. Engatinhei até a beirada, pousei o peito na poeira, segurei bem firme a borda e calculei a altura. Voltando a cabeça por cima do ombro, vi Lívia petrificada em cintilante palidez. Alva, era um espectro diante do luar. Esgueirei-me para apreciar de perto o lume que ela roubava. Às suas costas, quis seu calor: seus ombros tocavam meu peito e meus braços se cruzavam sobre os seus.

Nossas retinas estavam cheias de lua, quando seus olhos, liquefeitos, foram acariciar minha mão. Os dedos constringiram a carne e eu, fenecido, sussurrei um beijo sob as mechas do cabelo.

— Alô?
— Breno? Não vem trabalhar, hoje?
— Sim, vou.
— Está atrasado.
— Eu sei. Desculpe-me.

Já estava pronto para outro dia amargo. A água da pia me lavou o sono; a garrafa estava onde a deixara: na sala; e a porta só voltaria a ranger outra vez às cinco horas, com o apartamento vazio.

12.3.10

Een sonnet voor België

Ik ben nerveus en ook verlegen,
Maar als u me nu graag wil horen,
Dank ik u voor uw open deuren
En uw regenachtige wegen.

Natuurlijk doet de heimwee pijn,
Ik zal niet veel durven te zeggen,
Omdat mijn woorden weinig zijn
Om mijn gevoelens uit te leggen.

Nu schrijf ik toch geen mooie zinnen
Want ik ben nog aan het beginnen,
Maar het zal niet zo moeilijk zijn.

Mijn woordenschat is toch genoeg
Om te vertellen, vlot en vlug,
Dat ik al verliefd op u ben.

9.3.10

Despedida

Idolatrada, pátria amada, não mais preciso dos vossos seios. Há qualquer coisa na vida que entedia e meus irmãos me aborrecem. Quero estar livre de vós, dos pandeiros, da cachaça, do matuto e do carnaval. Quero ouvir as castanholas, beber uísque a uma mesa de pôquer, negociar com os turcos e dançar para afastar o frio. Vossos outros filhos permanecerão, contrariados por serem brasileiros, cuspindo em vossa cara, oh terra adorada, pois não sabem viver sem vós. Mas volto, mãe gentil, vosso amante mais terno, porque também eu não vivo sem vós.

22.2.10

À vizinha da frente

Sorriste-me um dia
(fingias que te trouxe a alvorada),
tão logo quedei fascinado.
Eras formosa, senhorita!
Hoje, tens a forma de um leitão.
Julgaram-me néscio teus olhares
e pobre, tua soberba.
Já não ergues mais o nariz como os teus?
Não queiras passar com tua carruagem por minha fronte,
pois sabe: a severa chuva afogou-me a nostalgia.

5.2.10

Will You Love Me Tomorrow?

Essa noite o brilho do amor está em seus olhos. Você é meu completamente e me dá seu amor de forma tão doce. Meus toques e carícias te deixam entorpecido. Posso acreditar na mágica dos seus suspiros? Na sinceridade no seu sorriso? Todas as palavras não ditas me dizem que eu sou o único. Mas meu coração será partido quando a noite encontrar o sol da manhã? É um amor do qual eu posso ter certeza? É um tesouro duradouro ou apenas um prazer do momento? Então me diga agora, eu não vou perguntar de novo... Você continuará me amando amanhã?

21.1.10

Nostalgia

Há dias em que você acorda e se vê diante do abismo. Olha para trás e não recorda o caminho que percorrera. O que você fez nessa vida? O que você fez da vida? Correu atrás de borboletas no jardim do cemitério, mas não encontrou nenhuma lápide para a saudade... só um túmulo em que se lê "Infância".

3.1.10

Soneto

Há no meu peito um tufão.
Nas veias, rápidas correntes
Que, perniciosas serpentes,
Marulham torpe coração.

Precipitada tez sombria
Liquefaz olhos deslumbrados
Em néctar para o carrasco.
Oh, funesta melancolia!

Em turva água me sufocas
Por ser o mais terno amante
Da senhorita mais formosa.

Outra vez marcharei errante
Por quantas estradas lodosas
Revelarem-se doravante.