14.11.12

Liliana

Alvorada sempre,
Sempiterna alva.

8.10.12

Os bichos

Dianinha,
Gostavas de cada bicho!
Seguiam-te pelo grande pátio da escola,
Montavam guarda à tua mesa,
Na sala.
Eu te seguia com os olhos —
Mãos ocultas,
Num presentinho tímido.

Um era cão gordo,
Loiro escovado,
Caninos inferiores salientes.
O outro, abutre esguio.
Brancos.
Eu não era muito branco.

Já nos falamos: eu e os bichos.
Nunca te falei.
Não tinha tempo.
Os bichos comeram o tempo,
Fartaram-se.
Nas sestas, os meus presentes.
Eles também nunca te falaram.

5.10.12

Poeminha

Pequena?
Pequenininha?
Eu nunca te falei.
Toma.

Eu não falo: estendo a mão.
Nunca te falei.

Os meus presentes eram pobres.
Éramos pobres.
Crianças.
Elas não se importam.

A mim, tu importavas.
Nunca falei.

Gostava do cabelo preto.
Do teu sono.
Paixão dá sono.
Não dormia.

Alguma vez falei que te amava?
Nunca.

30.9.12

Haicai

Os pássaros dobram,
E os sinos — o homem, as flores —,
Diante do astro-rei.

31.5.12

Noite rubra

Trôpego, na noite nefasta,
Debrucei-me na cama rubra.
Ornava a namorada ruiva —
Lume argênteo, folha encarnada.

Eu, ébrio de ideias nefastas
E lívido co’ a amante rubra,
Tomei da cabeleira ruiva —
Lume argênteo, folha encarnada.

Ergui a lâmina nefasta
E vislumbrei lágrimas rubras.
Levou-me o brilho da mi’a ruiva —
Lume argênteo, folha encarnada.

Incrustei-me a prata nefasta,
Co’ o punho firme e a palma rubra.
Unia-me à formosa ruiva —
Lume argênteo, folha encarnada.

Mas não veio a deusa nefasta,
Da cintilante foice rubra,
Que encravara na bela ruiva —
Lume argênteo, folha encarnada.

Trêmulo, da alcova nefasta
Fugi em caminhada rubra,
Deixando sobre a virgem ruiva —
Lume argênteo, folha encarnada.

14.5.12

Hoje, não

Há-me necessidade de morrer.
As pernas sentem o cansaço da vida:
Quero descansar os olhos,
Pousar as costas.

Tenho preguiça demais.
Arrasto o amanhã para longe, lento.
Escureço as manhãs.

“Hoje, não”, tenho dito a mim,
Tenho dito a tudo.

Não me há vontade de viver.
Sinto que as pernas só querem dobrar-se,
Os olhos se cansam,
As costas doem.

Há-me demasiada letargia:
Arrasto-me por corredores, degraus e ruas.
Escureço-me aos transeuntes.

Hoje, não.
Hoje, não moverei um músculo.

Há um grande cansaço de estar vivo.
Estiro as minhas pernas:
Os meus olhos são sono,
Como as costas.

Faltam-me vontades.
Sempre faltaram, então tudo se arrasta,
Como as sombras.

Hoje, não. Não... Não...
Hoje, não sou.

26.4.12

Hay

I

Chegou-nos o luar,
Sob algumas árvores,
Entre o peito e os braços.
Entre sóbrio e bêbado,
Meus lábios nos fios
(E uns soltos na cama).

Teus olhos atentos
Às luzes da noite...

Na parada, ônibus.
Eu parado, tu ias.
O carro roncava
Sonolentamente.
Depois, era um vulto
De brilhos sonâmbulos.

Meus olhos ardendo
Às luzes da noite...

II

Devia ser breve;
E não eu, mas outro.
Ah! Como eu te quis,
Minha pulguentinha!
Minhas mãos coravam,
Qual pincel na tela,
O teu corpo aguado.
Tu eras sorriso,
Receio, volúpia,
Enternecimento...
Hay, you are so crazy!
Amavas a mim?

III

E nós dois, menina?
O que há de nós?

Alguns fios soltos
Às luzes da noite.

19.4.12

Eu não vou falar de mim

Eu não vou falar de mim,
Pois aborrece a quem fala e a quem ouve.
Não vou falar de mim, mas dos outros;
Mesmo que falar de mim seja um outro a falar.
Aborrece.
Não vou falar de mim.
Os outros sabem mais de mim do que eu mesmo.
Falarei dos outros.
Se quiseres saber de mim, pergunta aos outros.
Os outros sabem de mim e dos outros,
Mais do que sei de mim.
Pergunta aos outros,
Embora falar de mim aborreça.
Se eu tiver de falar de mim, será um outro,
Pois os outros sabem mais de mim.
Pergunta aos outros.
Ninguém pode saber de si.
Se eu der por falar de mim,
Por não saber de mim,
Sou outro.
Pergunta.
Aborrece falar de si.
Os outros, se queres saber, sabem falar de mim e de todos os outros.
Não vou mais falar de mim,
Se há quem fale.
Aborrece, se eu falar; e aborrece ouvir.
Mas quando eu falar de mim,
Um outro,
Já não sei de quem falo.
E quando aborrecer falar de mim,
E ouvir,
É medo de saber de si.

14.2.12

Elevados

Serpenteamos o elevado,
Ofídio negro
Que algum deus petrificou
(Pois se cria, na morte).

Serpenteamos o elevado,
Dia após dia,
Oeste após sul.
À direita,
Repousa o gigante rochoso,
Com as vagas a marulharem os seus sonhos.

Serpenteamos o elevado
E abraça-nos uma quentura.
À esquerda,
Agitam-se as vagas
E o sal se cristaliza nos rostos.

Serpenteamos o elevado,
Prolongamos nossa fadiga:
Duma turba à outra,
De caos a caos,
A serpentear.
Insetos 
Enxame metálico 
Pelo dorso dum ofídio dum deus criador.

Serpenteamos o elevado,
E tenho das lembranças ternas
A perfídia... A perfídia...

Serpenteamos o elevado,
Sul após oeste.
Por entre braços lânguidos, 
Surge Aurora, por uma fresta.
Rasga o plúvio prata-bronze.
O ciano em combustão.

Serpenteamos o elevado.
Acima de nós,
O ventre firme
Do ofídio de dorso quente.


Serpentemos o elevado:
Sempiterno sono das rochas,
Sempiterno marulhar,
Sempiterna passarela de carapaças metálicas.

Serpenteamos o elevado.
Os ombros arqueados se consolam,
Trocam sais.
Sempiterno serpentear.