22.4.10

O sol no asfalto

A vida é sardônica e vai fazer de piada as suas desgraças. Já estou semi-acostumado. A primavera chegou e as flores nos campos estão brotando nas mais diversas cores. O sol chega a me cegar, me esquenta e se recusa a sumir do céu antes das nove. Meus olhos, porém, não se interessam. O cansaço se apodera de mim. É como um tumor pesado demais para ser carregado. A natureza me observa com escárnio, não é a primeira vez que ela me esnoba com gracejos num momento inoportuno.

Hoje saltei desiludido do coletivo. Não procurei os cigarros, não me enganei com o sol. Na sombra, o frio é tão perturbador quanto o inverno.

Há um longo caminho a ser percorrido. Campos verdejantes – e agora salpicados de rosa, branco, amarelo e roxo – são cortados por uma linha cinzenta de asfalto e concreto. Há duas mãos nessa pista e, também, um canto para os pedestres e ciclistas, mas não há uma divisão significante. A calçada não é mais alta, não existe meio-fio. Passam por mim carros, caminhões e, eventualmente, uma bicicleta ou duas.

Na minha cabeça há sempre um demônio a sussurrar para cada automóvel que passa. Ele quer ver um caminhão desgovernado. Ele teria um prazer sexual em me assistir ser atingido por algum veículo num impacto de 4 toneladas. Às vezes me pergunto se este é o morcego faminto da minha criatividade, que me espreita em busca de uma ferida para saciar sua fome parasita.

Hoje nem o cachorro me arrancou reação alguma. Ele surgiu descoleirado, desimpedido. E latiu, e rosnou, e flexionou as pernas. Calou-se, porém, ante a rejeição. O resto do meu passeio tortuoso foi só automóveis, sono e ar puro. E o sol me incomodando ao iluminar o asfalto. Imaginei, naquela hora, que aquilo era uma analogia perfeita à minha vida. As pessoas passam por ela numa rapidez vertiginosa e não tiro nada disso. Algumas sorriem, outras franzem o cenho; algumas acompanhadas, outras solitárias. Todas vão embora.

Contudo, estava errado. O simbolismo perfeito me esperava no fim da estrada. Um cavalo de cauda erguida, despejando toletes de bosta. Aquilo, sim, é a vida, como ela é. Uma merda, asquerosa. E sai aos poucos de dentro de você.

Agora o sol não consegue me alcançar com suas promessas falsas. Ele banha tudo ao meu redor e me chama para viver. Só que eu estou pouco me fodendo.

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