20.7.10

Caça urbana, parte 1

Em uma parte inóspita da cidade, uma rua longa e residencial estava vazia. Uma rua extremamente familiar para mim. Eu estava sentado em meu novo Paladin preto. Na realidade, não era meu. Mas foi o que admiti após fazer ligação direta nele, no bairro nobre.
Nas minhas mãos, uma revista Mad. No banco do carona, um grande hambúrguer me esperava ao lado das fritas que eu molhava naquele pote de molho barbecue. Eu estava entretido. Mas não o suficiente para esquecer-me do meu objetivo principal.
Alguns carros passavam ora ou outra, mas nunca paravam em frente ao número 115. Foi depois de um bom tempo que um carro prata parou, e três sujeitos saltaram direto pra lá. Eles não eram muito discretos, mas isso não era surpreendente. Um deles atirou na maçaneta, o silenciador abafou o disparo. Logo estavam dentro do meu tão amado lar.
Abri o porta-luvas e tirei, de lá, uma Beretta. Respirei fundo e deixei meu jantar – melhor dizendo, lanche da madrugada – no Paladin para acertar as contas com os invasores. Deixei os tênis na porta de casa e fui andando até que a barulheira deles os denunciou. O andar de cima, talvez meu quarto.
Eles jamais imaginariam que alguém pudesse subir tão rápido e, ao mesmo tempo, tão quieto. Não importa quem eles eram, eram apenas amadores. O que restava saber era: pra quem trabalhavam? Há algumas horas atrás, tentaram me matar no Scum Ass e eu sabia que entrar em casa pra dormir não era algo esperto pra fazer na mesma noite.
De qualquer maneira, esvaziei a cabeça para poder agir tranqüilamente. Parei de frente ao meu quarto, estava sendo revirado e arrebentado por aqueles três cuzões. Atirei na cabeça de um e, depois, na nuca do outro. O único que estava virado para mim, me acertou na clavícula enquanto eu saltava pro lado. Era o mesmo bastardo que estragou minha maçaneta.
Encostado na parede, eu resolvi largar a Beretta e saltar para o andar debaixo, poupando-me de passar na mira do cara novamente. Meus joelhos doeram na queda, mas não se comparava à bala na minha carne. Eu abri o armário abaixo da escada e entrei nele, furtivo outra vez. Peguei minha Hardballer carregada e esperei que ele descesse, no escuro.
O primeiro pé que ele pôs num degrau que eu pude ver, foi o pé que arrebentei com um tiro certeiro. Ele urrou e rolou pela minha escada, sujando tudo de sangue. Pelo menos soltou a pistola e não tentou correr com o único pé que lhe sobrou.
Quando ele menos esperava, já estava amarrado e sentado no banheiro do andar de cima. Eu acendi um Pall Mall e fiz questão de mostrar como estava tranqüilo e contente com aquela visita. Também o convenci de que, apesar de ter perdido um pé, haviam muitas outras coisas em seu corpo que eu poderia arrancar para que ele sofresse até que me dissesse um nome.
Ele disse. Eu acabei com o sofrimento.
Depois de escolher algumas ferramentas e fazer uma limpeza rápida, porém minuciosa – incluindo banho, remoção de bala do ombro e troca de roupas – fiz uma ligação importante para o Açougueiro. Eu gosto desse Açougueiro. Quando ele tem trabalho a fazer, simplesmente faz e é pago. Não enrola, não recusa. Me poupa inúmeros esforços.
De volta ao Paladin, minha nova carruagem elétrica com combustível pela metade, fí-la sair do chão para seguir até o endereço vomitado pelo imbecil que entrou na minha casa sem ser chamado. Eu já imaginava que o homem responsável por mandar aqueles caras me matarem era grande. Mas eu não fazia idéia do quão grande.

Os minutos se passaram, os prédios também. Agora a paisagem era diferente. Estrada, poucos carros e muito mato. O motor daquele carro era tão agradável que eu poderia dormir naquele estofado gentil e convidativo, visto que eu não dormia há quase trinta horas. Mas tudo bem. Já estive em situações piores. Se eu tivesse que morrer agora, seria num puta tiroteio, e não dormindo no volante.
Foi de repente que meu ombro latejou com força. Uma dor lancinante. Com certeza me deixaria acordado até lá. A polícia passou por mim e uma pedra de gelo surgiu na boca do meu estômago, mas não permaneceram por muito tempo no meu campo de visão. Eles tinham algo mais interessante para fazer do que parar um cara armado, sonolento e no limite de velocidade.
Não que eu estivesse segurando uma escopeta e o volante ao mesmo tempo, mas se me parassem por um motivo qualquer além de pegar uma nota de 50 e ir embora antes de mais nada, eu estava tão ferrado quanto aqueles três bastardos que morreram hoje. Ou mais, quem sabe?
Deixando as situações hipotéticas e pessimistas de lado, agora era preciso prestar atenção às placas. Fazendas, pousadas. Eu nunca liguei muito pra essa estrada. No dia em que eu pudesse comprar uma fazenda daquelas, eu já não estaria mais nessa vida. Mas eu não gosto de fazendas, mesmo.
Eu passei pela Skygate Farm e parei no acostamento após uns cem metros, que cobri devolta a pé. Embora eu quisesse muito destruir aquela porteira com o Paladin, eu não podia. Não me privei disto só porque o carro era ótimo, mas também precisava agir quieto.
A fazenda devia ter guardas por dentro. Mas não providenciava, nem de perto, a segurança que o Senador Wilkins precisava agora. Talvez sua casa fosse muito boa nesse quesito. Mas poucos suspeitavam que aquela fazenda pertencia a um certo amigo seu. E quem poderia culpá-lo? Ele não teve tempo o suficiente para ficar sabendo que, além de matar seus enviados, eu iria matá-lo também. Na tranqüilidade de suas pequenas férias.
Com meu equipamento de trabalho, eu cheguei ao portão. Pus minhas luvas de couro, escalei, senti dor no ombro e saltei. Agora não havia nada além de uma estrada longa, repleta de árvores pelas bordas, como um grande corredor natural. Marcas velhas de pneu na terra fofa, ao longo do caminho, me mostravam que a patrulha dos seguranças não incluía a entrada da fazenda, há um bom tempo.
Estava ansioso, por isso corri. Mas ainda assim, tentava não fazer barulho. Isso era um tanto difícil, com os “penduricalhos” que eu levava, por baixo do sobretudo marrom e fechado, contudo, foi só no final da estrada que eu achei um guarda virado diretamente pra mim, escorado numa laranjeira. Meu coração gelou, mas por sorte ou destino, ele estava adormecido. Prolonguei seu sono com um corte longo e profundo na garganta.
Ele caiu no chão, delicado como um mamute numa vidraçaria. Isso alertou o que eu contei como cinco guardas. Eu me sentei atrás da árvore, largando a faca e abrindo o sobretudo num puxão que arrebentou-lhe os botões todos. Balas ricocheteavam, tiravam nacos da árvore... e eu, com a Hardballer numa mão e a Beretta na outra, me levantei e “abracei” a árvore para atirar neles. Seis desparos – três de cada arma – e, novamente, agachei-me atrás da árvore.
Disparar daquele jeito era horrível. Mas quando dois deles recarregaram, pus a cabeça para fora e os arrebentei somente com a Hardballer. Amadores com uma cobertura pobre. Fui rápido e desapercebido o suficiente para não ter a cabeça estourada por aqueles caipiras de bosta.
A situação estava errada e ferrada o suficiente para eu ter que usar algo que eu pretendia não usar tão cedo. Puxei uma granada, tirei o pino com os dentes e atirei por cima da cobertura insignificante que eles haviam arranjado. Eles foram pelos ares e, aqueles que não realmente morreram na explosão, foram finalizados pela minha pistola.
A menos que o Senador fosse surdo como um cão velho, ele já teria sido alertado desde o início. Bom, surdo ele não era e, ainda que fosse, não deveria estar sozinho com guardas na Skygate.
Corri, cruzando o campo ensandecidamente até a grande casa de dois andares, sem tomar cuidado algum. A dor no meu ombro voltou a ficar forte, mas logo fui distraído por um disparo alto quando chegava à porta. Um punhado de grama e terra se desprendeu do chão, saltando e me dando um susto desgraçado. Parecia um tiro de escopeta vindo de cima.
Sem perder tempo, meti bala na porta, e em seguida, meti o pé também. Ela foi de encontro ao chão num estrondo, e eu tratei de olhar ao redor, me familiarizando com o local. O ambiente, como todos sabem, conta muito.
Logo eu identifiquei de onde vinha o estardalhaço do andar de cima. Joguei-me numa parede, protegido e de costas para o local, de onde uma escada descia. Chequei a munição e rangi os dentes. O ombro estava latejando agora, ainda mais do que quando saltei o portão. Mas por que agora?
Não era hora pra erros! Ele tinha, no mínimo, uma escopeta. E estaria descendo em pouco tempo. Ele me queria morto, mas tinha que ter um motivo e eu queria saber qual. Talvez houvesse ainda mais gente por trás disso, e este pensamento me preocupava.
De repente, sons na escada. Era a hora de botar a cabeça pra fora, mirar a mão do filho da puta e arrebentá-la com um tiro certeiro. Mas ao tirar a cabeça, meus olhos sonolentos viram apenas um sapato rolando escada abaixo. Se eu não fosse rápido em me jogar para trás da parede outra vez, minha cabeça estaria espalhada em migalhas pelo chão, como sucrilhos em meio a uma papada de sangue.
Farelos da parede agora voavam pelo ar, enquanto pedaços dela se esparramavam pelo chão. Eu tinha que pensar numa maneira menos arriscada de desarmá-lo pois, mesmo querendo transformá-lo numa peneira, queria mais ainda descobrir o motivo daquela caçada.
Me acalmei. Tentei fazer a dor diminuir. Pensei um pouco. “O Senador está temendo por sua vida, agora. Ele não é um bom atirador, fique frio”. Joguei uma almofada do sofá ao meu lado, e ele a acertou com uma perícia de embasbacar. Sorte? Exibicionismo? Ou eu havia me enganado em relação à mira dele? Não interessa. Foi uma distração, atirei na mão dele. Não só a escopeta semi-automática caiu no chão, como também alguns de seus dedos.
Ele berrava e, no andar de cima, alguém também berrou quando notou isso. Sua esposa, ou talvez uma prostituta, mas não me interessava. Subi metade dos degraus, aonde ele estava, e o puxei pelo roupão de dormir, jogando-o para baixo. Apontando-lhe a pistola, pisei em seu peito.
- Por que quer me ver morto, velho? Por que pagou tanto por isso?
Não entendi nada do que ele tentou dizer, por isso tirei o pé de seu peito, aliviando a dor. Mas não pude fazer nada por sua mão arrebentada. Ele tomou ar, e tudo o que disse foi:
- Vá se foder...
Antes que pudesse dizer mais algum impropério, peguei a pistola e atirei no joelho dele. Mais gritos de uma dor que eu nem imagino. Sei que é um dos piores lugares pra se levar um tiro.
- Não tenho paciência pra brincadeira, meu velho. Não durmo há mais de um dia. Só não estou dormindo porque não quero morrer tão cedo.
- Você devia saber que vai morrer cedo, trabalhando assim – ele disse com dificuldade, após soluçar e chorar de dor. – Você matou o meu irmão, seu desgraçado.
- Não me lembro de ter feito isso.
- Jeremy Wilkins!
Eu me recordei, então. Um bêbado num bar, um alvo fácil demais. Como eu iria imaginar que ele era justamente DA FAMÍLIA Wilkins? Quem me manda matar alguém assim sem me avisar dos riscos, está pedindo pra levar chumbo quente no rabo.
- É, Senador! Parece que eu me encrenquei. Alguém me fodeu solenemente e você cuidou da Arte Final.
- Você sabe... você sabe que, se me matar... vai ficar ainda pior!
Ele tinha razão. Mas eu nunca gostei dele. Após enchê-lo de tiros, saí ainda menos precavido daquela casa, voltando por toda a estrada até o portão da fazenda. A dor voltou como uma martelada repentina num momento quieto e tranqüilo. O sono também foi uma tortura no caminho devolta pra casa. Mas agora era hora de descansar e de me acostumar com isso. Estava começando uma temporada terrível e, se eu tivesse que ir para a cadeia, seria depois de matar o imbecil que me armou essa.

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