23.12.09

Decifra-me

O tempo a escassear.
Querer falar e não poder.
Querer presenciar a felicidade,
Essa mera ilusão.
Porém necessito da sensação.
Querer gritar e não poder.
Oh! Porque não te escapas tu da minha boca?
Palavras! Malditas palavras...
Mas palavras para quê?
Elas não ditam, não expressam, não agem,
As minhas palavras nunca fazem.
Tão pouco mostram quem eu sou.
E por pouco que não me vou!...
Que esta mente eu já não sei,
Se pensa loucura ou razão...
Uma companheira chamada melancolia;
Devaneios de uma alma perdida;
Não consigo tocar mais nesta ferida!
Dor que nem sabe onde dói,
Esse eterno dissabor.
Cessa-me o tédio e o ardor,
Sufocante, dominante...
Devolve-me a vida.
Faz-me acreditar.
Diz como se a dor não tivesse existido,
Que nem por ela o vazio é preenchido...
Devolve-me o sentido.
Oh! Tira-me esta máscara!
Esta barreira que me disfarça.
E que seja eu,
Nua e crua.

7.11.09

Bilhete

Prezada Maria,
outrora tão bela sorrias.
Do que há nostalgia?
Amar, Maria,
é vaga de euforia
que, ao longe, pelo mar ia...
(Na rebentação seria
rochosa melancolia).
Mas, Maria,
afogaste o dia,
amor, alegria,
na salgada agonia.

1.11.09

Mar do Esquecimento

E quando a onda me levar
- talvez em uma garrafa -
eu não olharei para trás com remorso
ou mágoas, tampouco com ódio,
mas com um sorriso de paz e alegria,
por desatar todos os nós.
E não mais haverá nenhum nós,
pois eu peço o abandono,
para que seja eu, apenas eu,
singular, unidade,
e minha eterna companheira,
a solidão
- meu lugar seguro,
sendo solitário não corro nenhum risco -
e as correntes marítimas,
favoráveis ou não
serão o meu transporte.

Em pouco tempo,
chegarei em um litoral,
uma nova praia
onde não criarei raízes ou vínculos
- para que seja maleável e moldável -
e não me sinta preso a nada.
E quando meus feitos falarem por mim
e minhas ações forem além da minha imagem,
eu serei descoberto,
e não mais um completo estranho,
um anônimo, nem um desconhecido.
Eles me enxergarão e no ímpeto,
muitos virão até mim
- como sempre vêm e querem ver, saber -
e não encontrarão correspondência.
Eles não conseguirão, mesmo que cheguem perto
e me toquem,
Eles não conseguirão, não sentirei nada.
Não há elo ou empatia, apenas o vazio.
Eles não me perceberão, não há brecha.
Serei indiferente, pois assim fui criado,
por eles, eles me tornaram assim
E antes que haja alguma troca,
a água virá me carregar
e não remarei contra a maré,
eu sei, é inútil.
Pois a liberdade, no paradoxo de seu real significado,
me tornará seu escravo
e em sua corrente,
me conduzirá pelos sete mares,
fazendo do meu ciclo eterno
até que a vida encontre seu destino final e derradeiro,
E eu desapareça nas águas do esquecimento,
sem que haja mão para me trazer a tona.
Serei cúmplice da morte e ela de mim,
virá e me abraçará com um sorriso.

E como pegadas na areia
o mar e o vento me apagarão
e eu serei esquecido para sempre,
pois é esse o meu desejo.
E serei, talvez,
apenas uma lembrança daquilo que não deveria ser criado.

21.10.09

Apenas o fim... de uma página

E pensar que eu pense,
talvez
- apenas por um instante -
que em todas as vezes que lhe pedi para ficar,
com gestos,
sem o uso de palavras,
e não me permiti ser compreendido,
eu pudesse estar me policiando,
me contendo,
me controlando,
em posição defensiva,
sempre,
por desconhecer meus verdadeiros sentimentos,
por não querer demonstrar meus sentimentos,
no controle constante de minhas ações,
no limiar das emoções, pois
tenho medo
e é o medo que me faz agir desta forma.
Medo, medo
do seu julgamento,
medo que me impede de agir
como deveria aos seus olhos,
os seus olhos,
é isso, são os seus olhos,
o modo como você me vê,
como você me olha.
Você me conhece,
você me olha e sabe o que estou pensando,
o que estou sentindo,
você me conhece,
você me lê como uma página de um livro aberto,
tendo liberdade de ler cada linha
e interpretar cada palavra,
à sua maneira, me lê
do começo ao fim,
completamente,
e eu não posso ser tão transparente.

E apesar de tudo, eu espero,
que um dia, não muito distante,
pois pode ser tarde,
você entenda,
você me entenda
e não me julgue,
como faz agora.

E ao repentino término desta conversa,
nos calamos e ressentidos,
por todas as palavras mal ditas
e pelo violento silêncio ensurdecedor que nos rodeia,
oprimindo tudo que não foi, mas
deveria ser dito,
nos afastamos e cada um segue seu caminho,
e ao cair da noite,
quando a solidão bater à porta
- como sempre vinha nos visitar,
você lembra, mesmo tendo um ao outro -
iremos nos lamentar
pelo que não aconteceu.

16.10.09

Autorretrato

Eis o titã adormecido:
Mestiço que a noite mal vestiu.
A pele feito terra,
Os músculos rochosos
E a carne escassa...
És tão pesado, titã audaz!
Nunca te inclinaste
Perante o vendaval?
Bem sei, és
Teu único inimigo.
(E ali deitado,
Onde o sonho lhe traz a morte,
Seu ar emudece os pássaros;
Pois há, no peito, um tufão).
Dorme, titã lúgubre.
Vê o arrebol do amor onírico,
Enquanto a vida te devora.

18.9.09

No Inferno

  Estou sozinho.
  Minto! Há também os meus demônios...
  Eu e meus demônios, juntos no frenesi da dança, sangrando loucuras, cuspindo fúria. Eu e meus demônios, meus bons companheiros vis, que me atiram ao fogo do Inferno e lançam minha mente ao delírio.
  Ah, que dor! Não cessa mais. Minha alma não se cala, geme de pavor e meu corpo, tão inocente, estremece em resposta ao medo. De quê? Da tormenta que me cerca, do ódio fora de controle, dos lamentos, das saudades e até mesmo da paz.
  Talvez eu consiga fingir um sorriso, um pequeno sorriso... Assim posso registrar este momento feliz. Raro momento feliz, e falso, porém feliz.

28.6.09

Diplomacia

Certa vez, na infância, ganhei uma ave de um dos namorados da minha mãe. Seja lá qual fosse a cor de suas penas quando o recebi, ao se tornar galo, aquele animal aparentava cobrir-se com fogo. No dia em que o recebi, meus olhos se encheram de contentamento, pois nunca tivera recebido um animal de estimação; só uma criatura virtual da época em que eu desconhecia meu um metro de altura. Fora presente do meu pai, já distante da família — e quão terrível foi constatar o desaparecimento daqueles pixels.

Eu nunca dei nome a coisas, animais ou rabiscos. Para mim, só gato e cachorro atendem por nomes; e eu até duvido do primeiro. Sempre tive de assoviar chiado e/ou gesticular para que viessem até mim — imagine com um pintinho. Eu poderia piar, entretanto teria de cacarejar, mais tarde. Foi-me aconselhado que o deixasse amarrado por uma das patas com um barbante, próximo a uma tigela de grãos e outra de água. Com o passar do tempo, ouvi por alto, pela boca da minha avó, que o tal namorado da minha mãe fora morto por traficantes. Provavelmente, a notícia não me teria espantado tanto, se aquele presente não me fosse dado.

Cuidei dessa criatura com todo meu pouco zelo herdado. Sempre que eu me aproximava, o pequenino me encarava assustado, com seus olhos de topázio. Se não fosse pelo fato de possuir penas, em vez de pelo, eu poderia jurar que ele se arrepiava com o meu toque. Curioso, observava cada detalhe do seu corpo. Quando muito novo, mantinha-o pousado na palma da minha mão e, para calar seus pios medrosos, acariciava-lhe a penugem. Infelizmente, talvez, meu tão querido mascote nunca se acostumou com a minha presença. Deixei-o amarrado até virar um frango. Daí, nunca mais piou à toa. Vi como as suas plumas iam ganhando a vivacidade de labaredas até que, ao ter crista e esporas bem crescidas, se transformou em uma figura similar à fênix.

Depois de conquistar a emancipação, eu pouco o via. Alguns diziam que ele iria para a panela, só para me zangarem. Eu tinha ciência da mentira, mas ainda assim me preocupava. Algumas vezes, até esquecia que o galo existia. Durante essa fase sem dar-lhe importância, já com cerca de um metro e vinte centímetros de altura, alguém veio contar-me que ele estava engajado em uma briga com o galo do vizinho. Corri para assistir.

Em algum momento da confusão, o meu avô apareceu. Acabara de voltar do trabalho e encontrou os dois brigões. Rapidamente, apanhou-os pelas asas, um em cada mão, com seus braços de pedra. Falou-lhes com graça, reprimindo a atitude agressiva de ambos. "Vocês são amigos", ele dizia e eu ria. Levou-os ao tanque, que ficava no estreito pátio da casa, e abriu a torneira. Enfiou os gladiadores debaixo da torrente fria para acalmar-lhes os ânimos. "Deem abraço de amigo! Deem abraço de amigo!", exclamava, lançando um contra o outro, e os galos agitavam as asas e se esporavam, tentando evitar o choque. Eu continuava achando graça, até concluir que aquilo não estava funcionando, pois eles continuavam se batendo. Logo mais, todavia, percebi que não se feriam. Ao selar o acordo de paz, o meu avô fechou a bica e jogou os dois para cima, que bateram asas para amortecerem a queda; e foram embora cacarejando baixo, feito um resmungo. Quem sabe se não estavam marcando um novo encontro?

1.5.09

Falta de Luz

O que a gente faz quando falta luz? Eu gostaria de fazer sexo, mas não tenho companhia apropriada para isso... Então vou escrever enquanto durar a bateria do meu computador. Ouvi dizer que quando falta luz famílias até conversam em vez de se concentrar na novela das oito. Impressionante. Talvez a falta de eletricidade também nos aproxime humanamente e não tão digitalmente como nos aproximamos do outro nesses dias modernos. A luz ainda não voltou, penso quanto o breu vai durar. Há muito não sentia o valor da escuridão, o brilhar das estrelas e som da minha respiração somente cortada pelos carros que vem e vão lá fora.
O sabor da escuridão é pacato, vem lento, tão lento que nos leva ao sono. E então percebo que com o silêncio interrompido das TV`s posso escutar meus próprios pensamentos e conversar comigo serenamente.
Sinceramente, gosto do silêncio, mas não estou disposta a pagar o seu preço, por exemplo, a água fria do chuveiro, não vou ser hipócrita e dizer que a vida poderia ser assim porque para que esses momentos sejam notáveis e bons devem ser escassos. Daí a nossa vida se faz de memórias, porque a maioria do tempo não é excepcionalmente prazerosa, e se for, pode não ter o mesmo sabor. Ou seja, estamos predestinados a usufruir de poucas delícias só para depois desejá-las, pelo menos a maioria de nós pobres mortais.
Todo mundo ambiciona coisas escassas, exceto um ornitorrinco, é a lei de Giffen, como diriam os economistas, ou seria a de Veblen? Sei lá, eu não sou economista. Enfim, todo mundo, ou todos os homens pelo menos, não dispensariam uma Ferrari. É a lei da raridade que se combina de forma hermética com o nosso ego: todos querem ser especiais e diferentes, alguns até querem ser parecidos com artistas para serem especiais ou diferentes, pessoal estranho. Alguns não entendem que para ser único basta ser você mesmo.
E é isso aí, provavelmente ninguém vai lembrar que eu ou você existimos depois de três ou quatro gerações, essa é a nossa sina de pobres mortais. Somo comuns, gente igual a gente tem um montão na China, outro montão na Índia, alguns em Cabo Verde e uns poucos na Islândia. Ser normal é bem normal, então pode ser bom. E, encerrando, já que voltou a luz, se viver é a única opção racional e como não pretendo casar com o Príncipe Willian para me tornar “inesquecível”, prefiro pensar como Veríssimo - o filho - quando escreveu: “Viva todos os dias como se fosse o último. Um dia você acerta” e é esse o segredo “Carpe Diem”.

OBS.: Segundo um leitor que fez um comentário valioso, o texto não é do Veríssimo, mas de Sarah Westphal, eu não conheço a autora, mas deixo a todos o benefício da dúvida, enquanto aumento meu arcabouço literário.

21.1.09

Olhares

É notável a presença do rato em cima dos livros: ele é grande, robusto, cinza e fedorento. O gato, oculto em sombras, observa sua presa com seus olhos vis e brilhantes. Um homem chega, puxa a cadeira e se senta diante do animal cinzento e dos livros. O roedor, assustado, foge; o predador, decepcionado, vai embora; o recém-chegado, entediado, apanha um livro e lê. Logo mais, dorme. O dia amanhece e o cão observa o galo cantar.