Portão fechado. Pronto. Fui eu quem o fechara e naquele instante minhas mãos deslizavam vagarosamente pela trinca até juntar-se ao meu corpo. Não olhei para trás por medo e, por assim optar, meus olhos se encheram com as imagens das casas tortas à minha frente, com a rua estreita, com os transeuntes e o céu cinza. Enfiei as mãos no bolso e um vento gélido arrepiou-me os braços. Comecei a andar vagarosamente, mas a verdade é que eu não tinha controle dos meus passos. Tenho que passar na farmácia, pensei, e logo não sabia aonde ia. Por fim cheguei a um ponto de ônibus – essa era minha segunda opção –, sentei-me e esperei.
Lá estava eu, sentado em um resto de mureta, com a mochila nas costas, bermudão, tênis e camiseta. Fazia frio demais. Antes eu pensei que seria bom pegar um agasalho, mas a temperatura era suportável e foi melhor assim. É preferível sentir-se congelar por fora do que a tristeza gélida no peito. Meus pensamentos escureceram, mas não naquela hora. Dias passados, não tão distantes, tive uns sonhos estranhos que me aterrorizaram. Talvez seja mais apropriado chamá-los de pesadelos; porém, mesmo que tenham me causado tanto medo, senti seu excitante beijo onírico como se fosse o último. Ah, quanto medo senti! Despertei, por fim, submerso em saudade e assim fiquei pelo resto do dia.
Eu até saí, sim. Procurei distrações, procurei alegria, procurei um novo êxtase; mas nada substituiria a loucura daqueles beijos.
Segunda-feira, tarde chuvosa e eu, como há muito não fazia, estava em sua casa outra vez. Cheguei calado, ou melhor, com apenas um objetivo: apanhar alguns tecidos e ir embora. Senti-me um estranho em seu ninho; ela falava mais do que eu, como de costume; seu sorriso era belo, mas sempre o vi assim; seus olhos buscavam os meus que, por não quererem revelar meu temor, fingiam felicidade. Mas eu estava feliz! Só não consegui expressar... Não de forma pura.
Maria. Era assim que eu a clamava enquanto em delírio. E nele ela era toda minha, era todo instinto, pura selvageria. Estávamos sempre na cama, molhados de suor, mesclando nossas salivas, mãos percorrendo nossos corpos sem ter onde parar, gemidos de embriaguez. Estávamos entregues à paixão e assim dançávamos.
Os tecidos já estavam separados em uma sacola, em suas mãos. Ela me entregou e pedi-lhe um copo d'água. Minha garganta estava seca, minha voz falha, as pernas um tanto fracas, a cabeça confusa, o coração palpitante. Fomos até a cozinha, caminhando feito dois gatos, apesar de eu achar que me arrastava. Bebi um copo, Maria falava-me mais. Não tive respostas, apenas sorri-lhe gentil, e pedi mais um pouco de água. Findei o segundo, houve silêncio enquanto seus olhos buscavam os meus que, de tão tímidos, procuravam o chão.
Silêncio. Eu gosto dele. Gosto de ficar sozinho sem ouvir a voz de ninguém, sem ouvir som de martelo ou violão, sem ouvir o telefone ou canto dos pássaros, sem ouvir os carros que passam ou os latidos dos cães. Talvez só me agrade mesmo o som da chuva e o assovio do vento que invade o quarto por um fresta. Mas naquela hora não. Aquele momento não poderia ser do silêncio. Não eu, todo eloqüente, cheio de razão, sempre certo de minhas palavras, confiante nas minhas decisões. Não. Acabou-se tudo. O silêncio foi minha ruína.
Maria se aproximou, abraçou-me, encarou-me, sorriu, chamou meu nome. Fiquei sério, talvez confuso. Sei lá. Eu não estava ali. Bom, estava, só não sabia disso e também não sabia o que fazer, não sabia o que dizer, não sabia como sair dali. Ela me soltou e afastou-se dois passos.
– Então acabou, né? - ela me perguntou.
Eu não sabia o que responder. Droga, acabou mesmo?, pensei comigo.
- Eu não sei do que você está falando. – disfarcei e imaginei que seria a última vez que conseguiria dizer alguma coisa.
– Não começou nada mesmo, né?
– Do que você está falando?
Encolhi-me, o silêncio voltara e meu temor tornara-se concreto. Caiu bem em cima da minha cabeça. Agora não havia mais dúvida. Foi ali que o fim se deu.
Outra vez ela se aproximou, abraçou-me. Seus olhos me hipnotizaram, senti paz em seus braços e logo nossos lábios se uniram. Doce sabor da luxúria. Eu estava transcendendo, talvez imergindo. Procurava o último gozo, a graça mais elevada em mim, enquanto dela eu tragava toda loucura. Seus abraços eram fervorosos, éramos êxtase e ardor, era a última gota de vida, era o fim de nós dois.
Amor selado. Pronto. Enfiei as mãos no bolso e pus-me a caminhar para fora de sua casa. E depois, para onde eu iria? Esfreguei um dos braços com a mão, tentando afastar o frio que surgia dentro de mim. Como eu viveria? Vai saber. Ainda não sei. Não consigo pensar em mim.
Lá estava eu, sentado em um resto de mureta, com a mochila nas costas, bermudão, tênis e camiseta. Fazia frio demais. Antes eu pensei que seria bom pegar um agasalho, mas a temperatura era suportável e foi melhor assim. É preferível sentir-se congelar por fora do que a tristeza gélida no peito. Meus pensamentos escureceram, mas não naquela hora. Dias passados, não tão distantes, tive uns sonhos estranhos que me aterrorizaram. Talvez seja mais apropriado chamá-los de pesadelos; porém, mesmo que tenham me causado tanto medo, senti seu excitante beijo onírico como se fosse o último. Ah, quanto medo senti! Despertei, por fim, submerso em saudade e assim fiquei pelo resto do dia.
Eu até saí, sim. Procurei distrações, procurei alegria, procurei um novo êxtase; mas nada substituiria a loucura daqueles beijos.
Segunda-feira, tarde chuvosa e eu, como há muito não fazia, estava em sua casa outra vez. Cheguei calado, ou melhor, com apenas um objetivo: apanhar alguns tecidos e ir embora. Senti-me um estranho em seu ninho; ela falava mais do que eu, como de costume; seu sorriso era belo, mas sempre o vi assim; seus olhos buscavam os meus que, por não quererem revelar meu temor, fingiam felicidade. Mas eu estava feliz! Só não consegui expressar... Não de forma pura.
Maria. Era assim que eu a clamava enquanto em delírio. E nele ela era toda minha, era todo instinto, pura selvageria. Estávamos sempre na cama, molhados de suor, mesclando nossas salivas, mãos percorrendo nossos corpos sem ter onde parar, gemidos de embriaguez. Estávamos entregues à paixão e assim dançávamos.
Os tecidos já estavam separados em uma sacola, em suas mãos. Ela me entregou e pedi-lhe um copo d'água. Minha garganta estava seca, minha voz falha, as pernas um tanto fracas, a cabeça confusa, o coração palpitante. Fomos até a cozinha, caminhando feito dois gatos, apesar de eu achar que me arrastava. Bebi um copo, Maria falava-me mais. Não tive respostas, apenas sorri-lhe gentil, e pedi mais um pouco de água. Findei o segundo, houve silêncio enquanto seus olhos buscavam os meus que, de tão tímidos, procuravam o chão.
Silêncio. Eu gosto dele. Gosto de ficar sozinho sem ouvir a voz de ninguém, sem ouvir som de martelo ou violão, sem ouvir o telefone ou canto dos pássaros, sem ouvir os carros que passam ou os latidos dos cães. Talvez só me agrade mesmo o som da chuva e o assovio do vento que invade o quarto por um fresta. Mas naquela hora não. Aquele momento não poderia ser do silêncio. Não eu, todo eloqüente, cheio de razão, sempre certo de minhas palavras, confiante nas minhas decisões. Não. Acabou-se tudo. O silêncio foi minha ruína.
Maria se aproximou, abraçou-me, encarou-me, sorriu, chamou meu nome. Fiquei sério, talvez confuso. Sei lá. Eu não estava ali. Bom, estava, só não sabia disso e também não sabia o que fazer, não sabia o que dizer, não sabia como sair dali. Ela me soltou e afastou-se dois passos.
– Então acabou, né? - ela me perguntou.
Eu não sabia o que responder. Droga, acabou mesmo?, pensei comigo.
- Eu não sei do que você está falando. – disfarcei e imaginei que seria a última vez que conseguiria dizer alguma coisa.
– Não começou nada mesmo, né?
– Do que você está falando?
Encolhi-me, o silêncio voltara e meu temor tornara-se concreto. Caiu bem em cima da minha cabeça. Agora não havia mais dúvida. Foi ali que o fim se deu.
Outra vez ela se aproximou, abraçou-me. Seus olhos me hipnotizaram, senti paz em seus braços e logo nossos lábios se uniram. Doce sabor da luxúria. Eu estava transcendendo, talvez imergindo. Procurava o último gozo, a graça mais elevada em mim, enquanto dela eu tragava toda loucura. Seus abraços eram fervorosos, éramos êxtase e ardor, era a última gota de vida, era o fim de nós dois.
Amor selado. Pronto. Enfiei as mãos no bolso e pus-me a caminhar para fora de sua casa. E depois, para onde eu iria? Esfreguei um dos braços com a mão, tentando afastar o frio que surgia dentro de mim. Como eu viveria? Vai saber. Ainda não sei. Não consigo pensar em mim.
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