25.11.08
John Lennon perdoado pelo Vaticano
De repente eu parei pra pensar nesse assunto mais a fundo, e resolvi fazer uma pergunta admitindo a lógica de todo o catolicismo. Qual a relevância de se perdoar o John Lennon agora? Porque, se ele por acaso foi pro inferno porque disse que era mais popular que Jesus, ele já está morto há muito tempo, que diferença vai fazer? Por acaso ele vai ser redimido do inferno? Isso não é possível segundo a igreja.
Sendo assim, podemos pensar que os castigos dos diabos serão mais brandos agora que ele foi perdoado? Acho que não, porque a hierarquia diabólica não respeita a Deus, nem depende de Deus. Se dependesse, acho que o inferno nem existiria pra começo de conversa, nessa ficção! Porque é uma afronta ao poder divino.
Então a pergunta que persiste é: qual é a utilidade disso se não um tipo de publicidade que nada tem a ver com espiritualismo católico?
Não existe utilidade! A igreja parece que precisa de uma forma de chamar atenção toda vez que sente-se ofuscada e esquecida nos tempos atuais, porque hoje em dia muitas pessoas usam a razão e descobrem que religião é uma perda de tempo.
17.11.08
Onde se deu o fim
Lá estava eu, sentado em um resto de mureta, com a mochila nas costas, bermudão, tênis e camiseta. Fazia frio demais. Antes eu pensei que seria bom pegar um agasalho, mas a temperatura era suportável e foi melhor assim. É preferível sentir-se congelar por fora do que a tristeza gélida no peito. Meus pensamentos escureceram, mas não naquela hora. Dias passados, não tão distantes, tive uns sonhos estranhos que me aterrorizaram. Talvez seja mais apropriado chamá-los de pesadelos; porém, mesmo que tenham me causado tanto medo, senti seu excitante beijo onírico como se fosse o último. Ah, quanto medo senti! Despertei, por fim, submerso em saudade e assim fiquei pelo resto do dia.
Eu até saí, sim. Procurei distrações, procurei alegria, procurei um novo êxtase; mas nada substituiria a loucura daqueles beijos.
Segunda-feira, tarde chuvosa e eu, como há muito não fazia, estava em sua casa outra vez. Cheguei calado, ou melhor, com apenas um objetivo: apanhar alguns tecidos e ir embora. Senti-me um estranho em seu ninho; ela falava mais do que eu, como de costume; seu sorriso era belo, mas sempre o vi assim; seus olhos buscavam os meus que, por não quererem revelar meu temor, fingiam felicidade. Mas eu estava feliz! Só não consegui expressar... Não de forma pura.
Maria. Era assim que eu a clamava enquanto em delírio. E nele ela era toda minha, era todo instinto, pura selvageria. Estávamos sempre na cama, molhados de suor, mesclando nossas salivas, mãos percorrendo nossos corpos sem ter onde parar, gemidos de embriaguez. Estávamos entregues à paixão e assim dançávamos.
Os tecidos já estavam separados em uma sacola, em suas mãos. Ela me entregou e pedi-lhe um copo d'água. Minha garganta estava seca, minha voz falha, as pernas um tanto fracas, a cabeça confusa, o coração palpitante. Fomos até a cozinha, caminhando feito dois gatos, apesar de eu achar que me arrastava. Bebi um copo, Maria falava-me mais. Não tive respostas, apenas sorri-lhe gentil, e pedi mais um pouco de água. Findei o segundo, houve silêncio enquanto seus olhos buscavam os meus que, de tão tímidos, procuravam o chão.
Silêncio. Eu gosto dele. Gosto de ficar sozinho sem ouvir a voz de ninguém, sem ouvir som de martelo ou violão, sem ouvir o telefone ou canto dos pássaros, sem ouvir os carros que passam ou os latidos dos cães. Talvez só me agrade mesmo o som da chuva e o assovio do vento que invade o quarto por um fresta. Mas naquela hora não. Aquele momento não poderia ser do silêncio. Não eu, todo eloqüente, cheio de razão, sempre certo de minhas palavras, confiante nas minhas decisões. Não. Acabou-se tudo. O silêncio foi minha ruína.
Maria se aproximou, abraçou-me, encarou-me, sorriu, chamou meu nome. Fiquei sério, talvez confuso. Sei lá. Eu não estava ali. Bom, estava, só não sabia disso e também não sabia o que fazer, não sabia o que dizer, não sabia como sair dali. Ela me soltou e afastou-se dois passos.
– Então acabou, né? - ela me perguntou.
Eu não sabia o que responder. Droga, acabou mesmo?, pensei comigo.
- Eu não sei do que você está falando. – disfarcei e imaginei que seria a última vez que conseguiria dizer alguma coisa.
– Não começou nada mesmo, né?
– Do que você está falando?
Encolhi-me, o silêncio voltara e meu temor tornara-se concreto. Caiu bem em cima da minha cabeça. Agora não havia mais dúvida. Foi ali que o fim se deu.
Outra vez ela se aproximou, abraçou-me. Seus olhos me hipnotizaram, senti paz em seus braços e logo nossos lábios se uniram. Doce sabor da luxúria. Eu estava transcendendo, talvez imergindo. Procurava o último gozo, a graça mais elevada em mim, enquanto dela eu tragava toda loucura. Seus abraços eram fervorosos, éramos êxtase e ardor, era a última gota de vida, era o fim de nós dois.
Amor selado. Pronto. Enfiei as mãos no bolso e pus-me a caminhar para fora de sua casa. E depois, para onde eu iria? Esfreguei um dos braços com a mão, tentando afastar o frio que surgia dentro de mim. Como eu viveria? Vai saber. Ainda não sei. Não consigo pensar em mim.
14.11.08
Dia de Sorte
Um frio na barriga me veio em condição oposta à temperatura do motor. Lugar esmo, estrada pouco movimentada, umas vacas ali parecem rir de mim. Respirei fundo, inútil, continuei desesperada. Celular não pega, abri o capô, não saiu fumaça: bom sinal. Não devo estar tão ferrada, ah, sei lá, o que que eu faço? Alguém deve parar pra me ajudar, mas uma mulher sozinha... Ai meu deus, e se for um estuprador, assassino, delinqüente... Ahhh, deixa de ser medrosa! Vai lá, vamo ver esse motor, não foi a água, eu coloquei no posto antes de pegar estrada, óleo, meu irmão trocou. Bem, acabou minha cultura em mecânica, vou colocar o triângulo ali e esperar uma boa alma.
Parou um caminhão, saiu um senhor meio barrigudo, um pouco careca e baixinho... Fiquei feliz, se ele for um tarado eu posso correr mais do que ele.
- O que aconteceu moça, o carro deu problema?
Eu devo estar parada aqui por diversão, né? Pensei maliciosamente.
- É moço, o carro não quer pegar, mas o motor não aqueceu tanto, o óleo tá em dia, tem água também, não sei o que pode ser...
- Deixa eu ver – Enfiou a cabeça no capô olhando com tanta concentração pra aquelas peças que eu não tinha a mínima noção do que faziam. – Seu carro é a gasolina?
- É sim moço. – Pensei: e faz diferença?
- Vamo aproveitar a ladeira e tentar pegar no tranco. Tem que ter cuidado porque tranco pode quebrar o dente de uma engrenagem do câmbio e também pode encharcar o catalisador. Você senta aí no volante engata a terceira marcha com o pé na embreagem e aí liga, quando o carro tiver andando tira o pé da embreagem e torce pro motor funcionar.
Fingi que entendi tudo, mas só entendi a parte de senta, põe na terceira, pé na embreagem, liga e tira o pé da embreagem. O carro até funcionou, mas apagou 30 metros pra frente do ponto que pegou. O moço coçando a cabeça falou:
- É a parte elétrica, um mecânico resolve fácil, deve ser um cabo que saiu do lugar, não quero mexer pra não arriscar piorar a situação. Pensei, quer saber, tou ferrada mesmo e até atrasada pra uma reunião em Brasília. Ele não mexe, mas eu mexo só me mostrar onde é. Depois se não der certo eu chamo o mecânico.
- Quer saber moço, o senhor não mexe, mas eu mexo e se não der certo depois o mecânico resolve, vamo lá, onde fica?
- A moça tem certeza?
- Ué tenho!
- Bem, deve ser um desses cabos. – Todos eram da mesma cor, que sem graça, nem dá pra escolher...
- Humm, tem um solto, aqui... Onde prega?
- Nossa, eu não vi esse cabo, deve ser esse moça, que sorte.
- Então prega ele aí, vou testar.
Cruzei os dedos com a chave na ignição. Tava louca pra sair daquele lugar, o frio na barriga não passava, mesmo tentando simpatizar com o caminhoneiro barrigudo.
- Pronto, moça, testa aí.
O carro pegou, senti um dos maiores alívios da minha vida comparável aos de teste de gravidez negativo.
- Moça, a senhora tá indo pra onde?
- Pra Brasília.
- Eu acho que não vai mais dar problema até lá, mas se der alguma coisa tou atrás da senhora na estrada.
- Muito Obrigada, nem sei como agradecer...
- Uma ave-maria tá bom.
É bom saber que ainda tem gente boa no mundo, pensei isso por uns 100 km, até que um buraco e “Puta que pariu”, furou meu pneu. Dia de sorte...
12.11.08
Burrice é cansativa
O ser humano é repugnante
De todos os mamíferos do globo
Esse é o que me causa maior ânsia de vômito
E é incrível como ele se orgulha de si
Sua burocracia sua incessante necessidade
De mostrar-se o mais eficiente de todos
Eles querem destruir os animais
Mas também querem salvá-los e é ridículo
O que nos faz tão melhores que eles?
Temos mesmo essa capacidade?
Quando nascemos não estamos desprotegidos?
Não levamos meses pra andar e pra falar?
Tudo que sabemos fazer é chorar
E pedir por mais comida e por mais atenção
Porque no fundo esse é o alimento do ser humano
Ele não quer nada além de atenção
Se não sabe cuidar nem de si mesmo
O que o faz querer salvar os outros?
Talvez a natureza seja isso
Os sapos matarão as moscas e as cobras matarão os sapos
As águias matarão as cobras
Até que não sobre mais mosca nem sapo nem cobra nenhuma
E qual a autoridade que o homem tem para interferir nisso?
Dizem que existimos há milhões de anos
Mas acho que nunca evoluímos de verdade
Empacamos no meio dessa evolução
Alguns humanos são tão idiotas que conseguiram regredir
Retrocedemos dois passos para cada passo à frente
Não me entenda mal meu amigo
Eu não fui vítima de valentões na escola
Ninguém fez pouco de mim por uma característica física
Eu não era o excluído no canto na sala de aula
Pra falar a verdade eu tenho uma vida invejável
Porque tenho um teto e como todo dia e isso é ótimo
Minha repulsa pelo ser humano não é fruto de nenhum trauma
Eu o detesto simplesmente porque o detesto e não há explicação
Lamento psicólogos mas não sou um caso fascinante
E nem tenho a pretensão de ser
Só não gosto da sua verborragia
Não acredito que um estranho possa me dizer o que eu sinto em troca de dinheiro
Sempre a merda do dinheiro
E não me venha dizer que foi um amor frustrado
Ou que eu não recebi atenção dos meus pais porque isso não é verdade
E não estou escrevendo isso porque terminei com uma garota
Não tem garota não tem pai não tem mãe não tem amor
Simplesmente a burrice humana me deixa cansado
E me deixaria mais cansado se não me fizesse rir tanto
2.10.08
Grilo filho da puta!
Após afastar-se alguns passos, algo entrou pela janela como um pequeno foguete que dançou frenético ao redor da lâmpada cinco vezes. Parecia um beija-flor, mas ao grudar-se no limite do teto com a parede, o homem notou que era um grilo. Ou um gafanhoto. Um grilo do tamanho de um gafanhoto.
Virgílio tomou café e continuou o que estava fazendo antes de abrir a janela para deixar a chuva salpicar o sinteco e seu rosto. Sentou-se à mesa para continuar seu projeto no laptop. Ele ao menos tentou, pois sempre olhava por sobre o ombro para ter certeza de onde estava o invasor. Sempre no teto.
As horas se passaram e o sono chegou. O homem deitou-se no sofá e desligou a televisão. Estava quase pegando no sono. Seus olhos pesados fechavam-se involuntariamente, sua consciência era invadida por uma película onírica, até que um som estridente o atrapalhou em seu embarque.
Olhando para o teto, certificou-se de que o inseto ainda estava lá, verde como grama, virado para baixo como se estivesse entretido com o que acabara de fazer. Virgílio estava cansado demais para tomar alguma atitude no momento, sua vontade de dormir era maior que qualquer coisa.
Volta e meia, antes dele finalmente adormecer de vez, uma coceira surgia em partes aleatórias de seu corpo como se um inseto caminhasse sobre ele. Aquela sensação horrível era apaziguada quando ele abria os olhos para constatar que o diabo verde ainda estava no teto, preso por sabe-se lá qual maquinação biológica o prendia ao concreto.
O sol bateu no rosto de Virgílio e ele acordou com dor de cabeça. A chuva foi embora de vez durante as horas mortas da madrugada. Tinha se esquecido do inseto, mas o viu por acidente. Lá estava ele, no teto, como se houvesse abdicado do direito de se mover. Isso até repetir o som irritante da noite passada.
Virgílio levantou, preparou mais café e voltou para a sala. Agora o inseto havia descido ao encosto do sofá. Apressado, ele foi buscar um jornal para conduzir o bicho pra fora do apartamento, mas, ao voltar, ele havia sumido.
As horas se passaram. Novamente aquela sensação: o comichão na nuca, ou a coceira no joelho, uma olhadinha no pé, só para ter certeza. Ele havia desviado a atenção, foi tolo, agora julgava que merecia ser acometido por aquela paranóia. Mas o dia prosseguiu normalmente. Continuou com seu trabalho no computador, depois o futebol de domingo na televisão.
Já de noite, outra vez ele ouviu aquele barulho. Vinha das frestas sobre a janela, um tipo de persiana de madeira que ele não tinha idéia de qual era a utilidade, mas estava lá desde que havia alugado o apartamento. Rapidamente Virgílio muniu-se de um rodo e voltou à janela, fechando-a. O traseiro do bicho era visível verde e cintilante por entre as frestas.
“Você se aproveitou da minha casa por uma noite. Te abriguei aqui e você atrapalhou o meu sono. Já passou da hora de ir embora”. O rodo o atingiu e o bicho voou para longe. A vitória, hoje, era humana. Contudo, alguns segundos se passaram e uma mancha verde bateu no vidro por fora.
Aquele pequenino arrombado não estava satisfeito, tinha que tirar mais do homem, abusado que era. Virgílio cutucou o vidro para ver se o bicho não desistia, mas nada aconteceu. Ele bateu forte, com a mão fechada, mas nada fazia aquelas patinhas magras soltarem o vidro. E cada vez mais ele subia como se fosse voltar pelas frestas e, se essa fosse sua vontade, nada podia ser feito para impedi-lo.
Ele tinha inseticida guardado, só não lembrava onde. Correu para o quartinho onde guardava tralhas, mais velharia do que qualquer coisa. Voltou com uma lata de algo que fedia muito. No entanto, havia passado tempo suficiente para aquele pequeno traidor se infiltrar em qualquer canto da casa.
“Foda-se”, disse Virgílio, borrifando repetidamente o spray malcheiroso por toda a parte superior da janela. Ele esperou alguns instantes para ver se algum cadáver diminuto caía para fora de sua casa, mas nada aconteceu. Nada aconteceu e Virgílio voltou à paz de sua rotina.
Seis meses depois já faltavam poucos dias para o Natal. Virgílio estava armando uma grande árvore. Estava frio, chuviscando e a janela estava aberta. Foi o erro dele. Algo veio voando pela janela e ele reconheceu prontamente o que era. O animal bateu na parede e caiu por entre os galhos numerosos e artificiais da sua árvore, muito bem camuflado entre enfeites brilhantes de todas as cores. “GRILO FILHO DA PUTA!”