4.2.14

Sonho #03

Primeiro, fecho a porta; depois, desligo as luzes. Só há as de fora, delineando sombras pelo quarto. Deito-me. Às vezes, as costas sorriem. Encerro os olhos que, agora, enxergam melhor do que quando estavam abertos, segundos atrás. O mesmo para os ouvidos. A rua, a vizinhança, não soa; apenas o ventilador ruida, agradavelmente. O seu vento me cobre. Tenho o cobertor entre os braços. Um invólucro sufoca os meus pensamentos: eles se apagam, emudecem. Os demônios, que antes dançavam, estão caídos. Estou submergindo, afundando em mim, um oceano negro. Não existe empuxo.

O céu é sereno. Ao meu redor, tudo é noite. As estrelas tomam espaço sem alcançar o horizonte. A lua não se apresenta. Alguns postes iluminam a estrada asfaltada, delimitando bem as bordas. Depois delas, escuridão; mas não é como se eu pudesse cair, caso saísse da pista, ou dar encontrão em algo, ou desaparecer. O caminho é como feito para carros, com tracejados brancos pelo meio, porém tem largura para uma pessoa apenas. Ele começa bem onde estão os meus pés, não preciso olhar para trás. Observo as luzes projetadas ao longo do percurso e vejo um chão granulado, escuro, que brilha a minúsculas gotas de luz.

Ando. Ou andar, ou nada. Andando, hei de encontrar algo mais. Andando, hei de conhecer-me. É a minha certeza, uma obviedade. Ao final da via, saberei quem sou, e isto me empolga. Os meus pés mastigam o solo, os passos soam farelentos. É toda a sonoridade que há, tão audível que se pode contar cada grão pisoteado.

Passado um tempo, um quebra-mola. Que graça! Que obstáculo inútil! O que pretendiam? Dificultar a minha caminhada? Penso. Rio. Tenho ainda mais certeza da minha busca. Preciso chegar ao fim. Adiante, um aclive. Previsível. O cenário parece ter vida e gracejar, criando estes obstáculos. Depois dele, encontrarei o meu ser. É certo. Talvez as coisas só existam enquanto as vejo. No topo, outra lombada, mais uma piada. Pode ser que queiram retardar-me ou é um aviso: nunca chegarei aonde quero. Contudo prossigo. De cima, não vejo nada. Desço e já estou de frente a um novo empecilho.

Estou à entrada de um estacionamento sem carros, sem vagas; somente direções, passagens. Há muitas pilastras, segurando um tento infindo, um negrume vasto. Não há qualquer fonte luminosa, no entanto posso ver o que está avante. O seguimento, agora, é bifurcado. Direita ou esquerda? Opto pela esquerda. Desta vez, não há riso. Em poucos passos, as opções se multiplicam. Por onde ir? O entusiasmo queima. Tanto faz a direção. Todavia, a cada progresso, uma multiplicação. As direções são várias. Os meus olhos saltam de uma a uma, cegos. A minha cabeça ferve com o vapor do entusiasmo e logo transpiro pavor. Estou perdido em um labirinto sem paredes, incapaz de atravessar as divisas que tornam os caminhos incontáveis, incapaz de retornar. Pareço celerado, no meu desespero. Tomo rumos sem pensar. Há tontura, agora, depois de tantos giros.

Chego ao centro: um poço enorme, engolindo as pistas, transbordando escuridão. É ali. Encontrarei o meu ser ali. Cauteloso, aproximo-me. Olho para baixo. O que não vejo me fascina. Há degraus para mim, os quais desço, os quais se retraem quanto mais me distancio da superfície. O medo me freia. Se eu cair, não poderei voltar, ficarei preso em mim mesmo; e o que hei de encontrar lá? Corro de volta, fugindo de uma suposta asfixia. Salto degraus para cima, que deixam de existir. Escapo da armadilha, assustado feito um gato, atônito na minha cama.

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