13.2.14

Sonho #04

É uma tela em carvão e giz. A festa reúne sombras alegres que mal se distinguem do ambiente. Os vultos passam, dançam, se encontram; as silhuetas conversam, riem, bebem. Nenhum rosto conhecido se me apresenta, nenhuma voz que pudesse agradar-me ouvir, nenhum olho capaz de me ver. O salão é pequeno. Observo cada detalhe de onde estou, recém-chegado. Um garçom cruza a minha frente, partindo do balcão à minha direita. Ali, frutas, metais e garrafas negro-luzentes. A luz vem de fora, pelas portas e paredes de vidro. A noite é naturalmente clara, embora escura. O mar risca o horizonte, a espuma das ondas cintila até se deitarem na areia. Devido ao burburinho, não as ouço. Sequer compreendo as falas.

À minha esquerda, um novo cenário. Deixo a inércia para adentrar o pátio, coberto por toldo ou telhados. Há mesas por toda parte. O chão é composto por tábuas. Alguns postes de madeira, nos limites da área, firmam o teto. Ouve-se música, e as pessoas permanecem sentadas, tendo uma conversa muda. Dentre as poucas de pé, destacada ou também invisível ao público, ela, cuja presença sempre procurei evitar. A praia encanta os seus olhos. Nem mesmo me percebe, já próximo de si.

Nada nos cerca. Podemos sentir a brisa da ausência de barreiras. Quero falar-lhe, quero ouvi-la; porém não ouço, apenas falo; ou não falo, apenas penso. É como se tivéssemos, contudo, uma longa conversa sobre a nossa vida, sobre o meu apodrecimento, sobre as minhas incapacidades, como se tudo fosse culpa dela, a raposa, porque mentia.

Ela continua em fascínio, com o olhar fixo para onde, certa vez, quis voltar a minha atenção, dizendo: “Veja o pôr do sol”. Já havia visto. Informei seco de ciúme. Alguns de seus amigos e parentes me rodeavam, observando a ilustração que eu fazia do ponto oposto ao qual ela queria que eu visse. Deixei que contemplasse o ocaso com a sua nova companhia, que só queria estar ao seu lado e falar, e falar, e falar... Agora, ainda me recuso a direcionar a vista para lá, continuo o contrário. Vejo a pedra que desenhei, uma enorme massa de negrume. Em segundo plano, o arrebol, tingindo o céu entre nuvens pretas, caindo para onde voltei o meu rosto, aquilo que eu não queria ver.

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