2.2.11

Sonho #01

Estava eu à porta da sala. Nível solo dum pequeno edifício. Lá dentro, o orador marchava dum lado a outro, em cima do palco, enquanto os ouvintes escolhiam seus assentos  estes, cadeiras brancas de plástico. E eu à porta, de tédio hirto, distraído com a vista do interior e com aqueles que ali ainda adentravam. Uma mulher, porém, freada em espanto, não seguiu os demais.

— Uma barata! — exclamou enojada, grunhindo ao pequeno animal.

Ao ouvi-la, de pronto minha face inexpressiva tornou-se zombeteira, voltando-se para aquela, com riso nefasto que, tão logo ter-me aproximado da senhorita, disfarçou-se em fúria, com trovejante voz a dizer:

— Então não gosta de baratas... — O meu olhar queimava sua imagem na retina, no entanto ela só conseguia fitar a barata, horrorizada. Ainda que não me encarasse, penetrei sua mente. O contato visual me era dispensável, ao contrário do que muitos afirmam, para confundir a razão. Suas faculdades eram minhas e seria de consciência dela aquilo que me conviesse. Sendo assim, viu a moça diante de si imenso inseto, de pé nas duas últimas patas traseiras, todo o ser de queratina, tendo como as duas patas dianteiras foices. As antenas agitavam-se e sua pequena boca, que abria e fechava incontáveis vezes, salivavam algum desconhecido líquido viscoso. Estava a criatura sedenta pelo sangue de sua oponente. Firme, bastou-lhe um único golpe, preciso e veloz, para separar-lhe a cabeça do corpo, encharcando os tecidos de sangue, pois saltava ao ar feito rubro chafariz.

Dei-lhe novamente a posse de seu juízo, todavia danificado. Como cria estar morta, ali ficou catatônica. Quanto a mim, ria tal qual o misantropo que redescobre o riso. Quando diminuídas as convulsões corporais, efeito da imensa graça, disse-lhe, ainda que não me escutasse:

— Assim você aprende a não ter nojo de baratas.

Afastei-me dela. Grande gosto me houve no feito, entretanto efêmero assaz. Segui dali para lugar algum. Adiante, uma densa floresta; além, gélidas montanhas. Lancei-me ao ar, voando em direção a novas terras, pois era eu um deus e, enquanto os outros não me curassem o tédio, dançaria sobre o caos.

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