8.3.21
As gatas
Contemplai, vós que passais, a noite;
Olhai para os telhados das casas;
Esperai: sentai em cadeira ou caixa;
Protegei-vos do frio do açoite.
Tão logo o dia calmo se afasta,
Pronto chega a agitada sonoite
E saem às ruas patas felinas.
Ó Lua, luzi este palco negro!
Fazei brilhar olhos obscuros
Da prole que Bastet deu ao mundo.
Então direi quem sobe primeiro,
Quem adentra o cenário noturno.
Assim que chega, para no meio,
Resoluta, Bebel, a bravia.
Imponente, tal qual fosse a Mãe,
Observa a gente que se amonta,
Como se levassem vida à toa,
Como se a vida lhes fosse vã.
Então dizendo: “Estamos prontas”,
Entra Mel, sem vontade de afã,
Co' um miado que faz sorrir o público.
E Bebel se afasta, desconfia
Dos passos vagarosos, silentes;
E Mel se aproxima persistente,
Revelando travessa porfia;
E trocam olhares descontentes,
Tornando Bebel mais arredia.
É quando Lola surge confusa.
Vem zigue-zague, trocando patas;
Vem cautelosa, pisando torto,
Pelas telhas rubras do composto.
É aquela que, no andar, se atrapalha.
(E outra vez, o sorriso nos rostos).
Faz parar a contenda das gatas,
Que debandam, ambas surpreendidas.
Molenga, esparrama-se nas telhas
E começa lenta lambedura.
A pata traseira aponta a Lua,
Enquanto a língua corre por ela.
Com dois olhos decorando a rua,
A sisuda Cherie observa
A irmã bem acomodada ali.
Mas, num pulo, é Magali que avança
E vem andando com certa pose,
Como se a líder do bando fosse.
Lola, agora alerta, se levanta
E desajeitadamente corre,
Muito depressa dali se afasta,
Em fuga ligeira às outras duas.
A estrela da noite: Magali.
A atenção de todos lhe pertence.
Assim, distraída, não percebe
Que logo às costas está Cherie,
Há muito só observando inerte.
Mas salta co' o repentino ouvir
Dum miado profundo pelas ruas.
Todas ouvem e também se espantam
Co' os ecos do miado cavernoso.
Co' o susto de saltar-lhes os olhos,
Vão-se às pressas das telhas, debandam.
Mas donde vem o miado da noite?
Na vastidão, revela-se a face
De Selina, já não mais terrestre.
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