8.9.16

Sonho #05

Recebi, via aplicativo de celular, uma mensagem dum velho amigo. Algo sem importância. Como eu estava por perto, resolvi fazer-lhe uma visita.

As ruas, por aqui, são sempre assim, meio vazias. Hoje, vendo algumas pessoas do lado de fora, até me parece um dia agitado. A frequência com que os carros passam faz com que não nos preocupemos nem um pouco com eles. A propósito, a pista é um tanto estreita. Quando surgem, rapidamente desaparecem, neste caminho sem início nem fim. Para onde vão com tanta pressa? Talvez só estejam vagando, como eu, presos à velocidade. As cores também são raras. Tudo sofre de desbotamento e obscurescência. O céu é uma enorme cúpula de concreto, sustentada por extensos edifícios. As árvores mal se veem, mescladas à sombra de tudo.

Seguindo pela calçada cinzenta, aproximo-me da casa do meu amigo, que é, talvez, a entrada dum condomínio, num grande descampado de terra e grama, cujo verde se tornou pálido. Ando ainda um bom pedaço até ela, rápido e sorrateiro, dobrando os joelhos, curvando o torso, para perder altura. Ali, agachado sob a vista da janela, começo a imitar miado de gato, projetando o som para dentro através dum fragmento aberto no vidro da janela. Pelo que a cortina me permite ver, vislumbro as cômodas escuras do local. Uma criança aparece, de repente, e desaparece no breu. Sentado ao lado da janela, quase que de frente para mim, o meu amigo é banhado pela luz fria da tela do computador. Insisto na imitação, tentando chamar a atenção, mas falho. Nem mesmo a criança vem ao auxílio do gato. Desisto da brincadeira, chamo o meu amigo, sorridente, e me mostro por inteiro. Entro. Sento à janela, junto a si.

Enquanto ele dá início a uma arrumação, limpando a mobília cujos contornos mal se percebem, devido à negrura do ambiente, conversamos sobre assuntos quaisquer. Em dado momento, ele começa a varrer o chão e a criança retorna de algum canto, passeando para lá e para cá. É a sua irmã, imagino. Nesse momento, estamos falando de mulheres, nossas relações. Eu, então, explico o que há entre mim e a minha estrela:

— Todos nós, mesmo que sem querer, impomos testes de confiança um ao outro, e eu acredito que passei no teste dela já. Acredito que ela realmente confia em mim. O meu, no entanto, continua, mesmo que eu não ligue para isto. Ainda não tenho certeza de que ela não me deixará.

Levantei, pois a vassoura alcançava os meus pés e achei melhor sair dali. Apanhei um pão e o comi puro, seco, assistindo ao meu amigo circulando pela casa. Aos poucos, a massa ia acumulando-se, grudenta, na minha boca. Os dentes não conseguiam cortá-la e eu sabia que, se a engolisse, engasgaria. Puxei a coisa para fora com o dedo feito anzol e abri uma fresta da porta, para despejar aquela gosma. Nisso, o meu amigo aproveita para retirar da casa o monte de sujeira reunida pela vassoura.

— Pergunte à minha mãe se ela arranhou o carro — voltava ele, pedindo.

“Eu? Por que eu?”, pensei. “Ela deve ficar puta, se eu perguntar isso”. Ignorei. Na verdade, não tinha dado pela presença dela até ser mencionada. Estava numa parte clara da moradia, a qual não sei o que era. A cozinha era o mesmo que a sala. O fogão ficava bem ao lado da geladeira e uma chaleira esquentava sobre o fogo, que mais roubava luz do que iluminava. Agora, com a menina no colo, o meu amigo punha a chaleira na pia e, em seguida, buscava por algo dentro da geladeira.

O cenário, subitamente, esmorecia e só me ficava a sensação de tranquilidade daquele lar, certa satisfação por observar a união daquela família. O pai não era presente, não havia. Bom, e daí?