18.4.16

A lenda de Anakbaru – I

Das colinas veio Anakbaru, filho de Humbaba da floresta de cedros.

Que usava a cabeça de um leão como coroa, e as costas dele como capa, e os dentes dele de adorno, e as tripas dele no arco.

Trouxe consigo sua esposa Avati que tinha pele como mogno e guiava sua carruagem, e tocava o chifre de um touro.

Por três vezes circularam Umad e suas muralhas, e levantaram poeira em abundância, e o rei e seus homens anunciaram que um exército chegou.

Anakbaru disse então que não havia exército consigo. Havia somente o filho de Humbaba, e sua esposa consigo. O rei pegou sua lança e escudo para encontrá-lo fora das muralhas.

Foi na frente dos homens e mulheres de Umad que sua coroa de ouro foi perdida e virou uma tiara para Avati que era assim a nova rainha, junto à predecessora, que casou-se com o Homem-Leão Anakbaru.

Nenhum contestou, e assim começou seu reino.

4.4.16

Contato imediato

      Paulo não acordava de madrugada com frequência. Aquela, contudo, não era uma noite comum. Foi o barulho que saía das caixas de som de seu computador que perturbou seu sono. A máquina estava desligada, porém conectada à tomada na parede. Eletricidade corria pelo cobre até a fonte, ligada ao gabinete, ligado às caixas em questão, que transformavam os pulsos em ruído branco. Em meio aos sons caóticos ele conseguiu ouvir uma voz.
      Ela dizia muitas coisas indecifráveis. Paulo jurava estar sonhando até sentar-se na cama. Constatou então: não só não estava sonhando, como estava muito bem acordado. Nem mesmo o despertador conseguia resultado tão prontamente. Ele enxugou o suor frio da testa com o lençol. Palavras ainda ecoavam pelo quarto, porém não era um idioma conhecido, e a voz soava inumana. Provável resultado da distorção que ela sofria ao interferir.
      Era verão. A janela estava aberta. Do lado de fora, jazia o descampado enorme, a grama baixa. Paulo ergueu-se para ver se ele ainda estava lá, e estava. Porém, sobre ele, pairava um objeto voador não identificado. A forma era de prato e luzes coloridas saíam dele. Elas não piscavam, não como aviões faziam. Só giravam num carrossel lento, agourento.
      “É isso,” ele pensou. “Está acontecendo. É verdade.” Da janela ele observava o objeto descer, descer para o descampado. As vozes agora mais altas. Ele sabia que os tripulantes discutiam entre si. Qualquer idioma que fosse, ele sabia que trocavam termos técnicos. Estavam assegurando um pouso safo. O prato estava prestes a pousar no gramado, mas não o fez. “Não é possível.” Ele andou até a janela e coçou os olhos.
      O prato não era tão grande quanto parecia na janela. Não, ele tinha tamanho de prato. Pequeno, ele pousou no parapeito da janela aberta. Metade das luzes se apagaram, a estática se aquietava nas caixas de som. O silêncio voltou ao quarto. Não por muito tempo. Quando a espaçonave diminuta se abria, Paulo a golpeou com as costas da mão. Ela caiu da janela para o lado de fora e seus tripulantes berraram até a morte.
      Depois de varrer nave e cosmonautas, Paulo jogou o lixo fora e voltou pra cama. Ainda tinha mais quatro horas de sono até ter que tomar café e partir pro trabalho.

1.4.16

Certeza traidora

À noite, agita-se o sono;
No sonho, uma tempestade.
A calma com que desperto
É a certeza traidora.

Tenho o dia sem sorriso,
Tenho sais beirando os olhos.
Mas é pior, naquela casa,
A quem não quer despedir-se.

Estendem-se as nuvens fúnebres,
Os pássaros cantam réquiem.
Passa a Selina da terra,
Fica a Selina do céu.